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18 outubro 2005

Disparos Certeiros

O pop parece ser o patinho feio dentre os estilos. Apreciar música erudita neste país tão cheio de pessoas sem informação, é tido como 'elitismo', enquanto pessoas que ouvem música chamada brega são rotuladas como ignorantes. Já a música pop, com todas as suas variações, ora é apreciada, ora é execrada. A linha é sempre tênue e falar sobre cultura pop, de um modo ou de outro, tende a desagradar um bom número de pessoas. Embora boa parte das pessoas não admita, mas em algum momento da vida a pessoa gostar de algo e com o tempo passou a não gostar justamente por ser muito pop. Pessoalmente, foi-se o tempo em que eu acreditava que poderia ou amar ou odiar tudo do chamado 'mundo pop'. Admito gostar do que alguns consideram de má qualidade, mas também não acho que devo engolir qualquer coisa somente para ter alguma 'autoridade' para criticar o que quer que seja. Por isso, quando li o livro de Tony Parsons, "Disparos do Front da Cultura Pop", às vezes sentia grande interesse, outras passava os olhos de um modo bem desinteressado sobre ensaios e entrevistas de personagens que entraram na cena britânica da cultura pop.


O maior elogio que se pode fazer ao autor é que ele é exagerado quando escreve. E uma das grandes virtudes de se ser exagerado é que se é, ao mesmo tempo, divertido. Por incrível que pareça, boa parte da mídia do Brasil esqueceu-se de como é ótimo ser divertido ao exagerar em suas opiniões. Não me refiro a graça que alguns vêem quando Diogo Mainardi fala em acabar com o governo Lula, ou de Luís Fernando Veríssimo quando retrata o inusitado do mundo comum. Falo a respeito de ele ser elegantemente divertido. Consegue tratar figuras famosíssimas da música como 'chapas', sem, no entanto, parecer um desses jornalistas irritantes e bajuladores que se acham no dever de aparecer mais que seu entrevistado. Numa entrevista com Johnny Cash, para vocês terem uma idéia, ele dá ao entrevistado uma moeda comemorativa de Winston Churcill porque sabe que Cash coleciona moedas. Em troca uma entrevista insossa dessas de cinco minutos que os jornalistas estão acostumados a fazer se transforma num ótimo papo despreocupado. Num outro relato, é capaz de encontrar Robert Plant num showzinho (desses que ninguém nunca imagina ver uma figura como Robert Plant), sorrir, entrevistá-lo rapidamente e escrever depois algo como "Muito amigável, esse Robert Plant".

Outro grande mérito do exagero de Parsons é conseguir apresentar argumentos razoáveis de modo inesperado, quando o assunto é polêmico. O livro possui uma sessão denominada "Polêmica", que é onde o autor consegue escrever suas opiniões de forma (além de polêmica, claro) franca. Num artigo entitulado "Lixo das Ruas", o autor fala do problema dos mendigos na Inglaterra (um problema comum para os que moram em qualquer grande centro urbano de nosso país) colocando frases duras, de um modo bastante sensato. Um exemplo disso é quando diz num trecho:

"Os mendigos desfiguram a cidade, degradam o espírito. Eles desumanizam você, assim como a si mesmos; eles embrutecem a todos. Você aprende a passar reto por essas pessoas porque precisa, e isso acaba tornando mais fácil virar o rosto para quem realmente precisa. Esses sanguessugas profissionais, alguns deles são sujeitos bem robustos, endurecem o seu coração, fazem calos na sua alma. Eles fazem qualquer pedido de ajuda parecer um folheto promocional."

Numa outra sessão do livro, sobre viagens, o exagero de Parsons se transforma em entusiasmo. Ele é capaz de falar de uma cidade não como uma construção cheia de concreto, ferro e vidro, mas sim como um enigma a ser desvendado. Seu entusiasmo o faz procurar por pistas nos lugares mais inusitados: o Daley Plaza em Chicago, um trem-bala no Japão ou o Cimitero Monumentale em Milão. E o que ele encontra nesses lugares são retratos que talvez passem por alto até mesmo aos que vivem em tais cidades. Retratos pintados por um observador sagaz.

A leitura do livro de Parsons permite-nos apreciar a qualidade dos disparos dados pelo autor numa direção arriscada: o pop, que traduzindo, corresponde à fronteira entre o bom e mau gosto. Mesmo quando não gostamos ou não conhecemos a figura retratada por Parsons, o tiro atinge seu alvo. Em meio a tantos artigos da mídia que apenas nos dão sono, os textos reunidos na obra indicam que é possível ainda encontrarmos ótimos disparos dados na direção certa.
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