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08 março 2006

Nossa Eterna Ignorância dos Fatos

Nesses tempos de blockbusters milionários com grandes gastos em efeitos especiais e pouca preocupação com conteúdo, tenho me mantido um pouco afastado das salas de cinema. Talvez por isso ainda não fui ver "Capote", um dos poucos filmes recentes de que tenho vontade de ver. Mas mesmo não tendo ainda visto a obra, ela me serve como um espelho, fazendo-me admitir minha eterna ignorância, como todo o ser humano.

O filme conta a história do escritor Truman Capote e sua busca de informações para confecção da obra "A Sangue Frio", considerado um clássico do chamado jornalismo literário ou, segundo o próprio autor, "non-fiction novel". Capote usou todas as regras da criação literária para relatar um crime que ocorreu numa fazenda do Kansas, nos EUA. Uma obra, portanto, de interesse aos amantes da literatura, por sua capacidade criativa inovadora, e também de interesse aos jornalistas, pela sua ligação evidente com a profissão.


Apesar disso tudo ainda não separei um tempo para ler a obra. Aliás, além de "A Sangue Frio", outras duas obras de Capote recentemente lançadas pela editora "Companhia das Letras" estão na minha wishlist: "Bonequinha de Luxo" e "Música para Camaleões". Em resumo, não li ainda nada de Truman Capote e considero-me, com bastante razão, um completo ignorante neste tipo de literatura. Assim sendo, ver o filme sem ter lido "A Sangue Frio", perde grande parte da graça. O filme será mais um dedo apontando para mim e me dizendo que eu devia ter tirado algum tempo, qualquer tempo, de uma atividade qualquer, para a leitura da obra.


No mundo atual, onde há um bombardeio de informações e, ao mesmo tempo, um bombardeio de anúncios que nos avisam da importância de obter mais e mais informações, admitir ser eternamente ignorante não é fácil. Num dado momento damos às costas a uma série de atividades e nos empenhamos na leitura e compreensão de certo assunto. Quando parece que já acumulamos um volume razoável de informações surge uma nova moda, um novo lançamento, uma nova necessidade. O empenho pela aquisição de mais conhecimento parece nos forçar a lermos cada vez mais, dum modo cada vez mais rápido. E se o livro imprescindível do momento cai na roda de discussões e ainda não o lemos, somos tentados a mentir e dizer que sim, já o lemos.



Mas o que havia de errado com o antigo modelo de leitores, que se preocupavam apenas com o prazer da leitura, não importando quanto seria o tempo gasto com o ato de ler? Por quê, de uma hora para outra, virou cult exibir uma lista de leituras que outros observam e se espantam, dizendo para si mesmos "nossa!!! preciso ler mais!!!"? Por que não admitir simplesmente que nunca teremos o tempo necessário para ler tudo o que nos recomendam? Daí, após o reconhecimento da eterna ignorância, por que não usar o tempo que se dispõe para a leitura prazerosa de obras que chamam a nossa própria atenção e não a de outros? Por causa da minha eterna ignorância não posso afirmar que conceitos outras culturas desenvolveram à respeito do ato da leitura, mas ao meu redor percebo que muitos acreditam que a leitura é estritamente um ato intelectual. Derivar prazer do ato de ler é, para esses, algo de menor importância. É algo que se perdeu por serem leitores 'mais experientes'.

***

Relacionado com Truman Capote, li rapidamente numa livraria a introdução de "Música para Camaleões", da nova edição lançada pela editora "Companhia das Letras". É interessante que em certo trecho ele afirma que aos dezessete anos se viu pronto para a literatura. Numa analogia, ele diz que se fosse músico, poderia dizer que estava pronto para tocar num concerto. Com esta convicção, Capote apanhou alguns de seus textos e enviou para os principais periódicos americanos, sendo que alguns foram realmente publicados. Não sei se é verdade que aos dezessete anos Capote tivesse realmente toda essa autoconfiança, mas o fato é que o texto é deleitosamente inspirador. Parece nos dizer que tão importante quanto o talento ao escrever, é preciso também maturidade ao escritor para admitir estar ou não preparado para o lançamento de uma obra qualquer. Talvez, sem querer, ele tenha dado um belo conselho aos aspirantes a escritores.

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