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17 março 2005

Leitores e seus Hábitos Estranhos III - O Transeunte Literário

Todos conhecem a história, como uma ou outra pequena variação: um belo dia, por razões variadas, a pessoa apanha o livro, começa a folheá-lo, inicia a leitura e pronto! esse livro é responsável por uma revolução nos hábitos do indivíduo. Antigamente ele gastava horas em frente à tv, lia o jornal do dia, saía com a turma após o serviço para tomar chope quase todos os dias. Agora ele só pensa numa coisa - o maldito livro. Falta cinco minutos para começar a aula? Ele abre o livro. Está em pé no ônibus lotado? Surge um contorcionista entre os passageiros, que consegue segurar a pasta, segurar o livro e ainda não cair com a freada do motorista. Sobra um tempo no horário do almoço? Troca o passeio pelas ruas pela combinação banco da praça + livro.

Em alguns casos a mudança de hábitos desaparece ao fim da última página, mas esses são casos raros. Normalmente, um livro puxa outro, que puxa outro e quando a pessoa se dá conta ela já é um transeunte literário. Ele passa por livros e livros, grifa textos, recomenda alguns aos antigos parceiros do chope e sempre está onde eles estão. O primeiro ambiente da nova rotina é quase sempre a biblioteca. Antigamente ele se aproximava pensando no trabalho a ser realizado, ou em ir conferir a resposta a uma dúvida rápida. Agora, ele é quase enxotado dali pelos funcionários na hora de fechar. Da biblioteca à livraria é um passo. Os vendedores se estapeiam na porta para decidir quem vai atendê-lo. Ele passa prateleira por prateleira e vai recolhendo aquela promoção imperdível, que muitas vezes nem será lida. Com o surgimento das lojas virtuais a coisa mudou um pouco e ao invés de prateleiras, agora ficamos horas fazendo buscas e mais buscas entre as diversas opções do catálogo de cada site. Infelizmente, logo logo o transeunte literário descobre que seus desejos são ilimitados, mas seus recursos não. A nova opção que surge agora, portanto, são os sebos. Daí o transeunte literário transforma o livro numa moeda. Seus olhos vêem não mais um livro mas sim 'uma raridade', 'uma oportunidade' ou simplesmente um livro que deve valer uns 2 Sidney Sheldon. A linha entre um mero transeunte literário e um vigilante de sebos é tênue.

Claro que esta é apenas uma simplificação do processo. Existem transeuntes literários das mais variadas espécies: os supersticiosos (que não começam a ler um Poe numa sexta-feira 13), os esfomeados (que lêem até Paulo Coelho sem as páginas finais), os degustadores (que cheiram e experimentam algumas páginas antes de começar de fato a leitura), etc. Mas a principal divisão que podemos citar é a dos transeuntes literários fiéis e os infiéis. Geralmente o transeunte começa fiel e lê somente um livro de cada vez. Fica afeiçoado a ele e promete fidelidade até a última página. Com o passar dos anos, porém, essa relação se torna um pouco monótona e ele decide experimentar novas sensações. Aos poucos vai desenvolvendo um affair por outras obras, enquanto lê a obra do momento. É aquela velha história: estou lendo um catatauzão, mas para não cansar, no banheiro eu leio um livro de contos, por exemplo. É inevitável, quem trai uma vez, trai duas, três... O transeunte literário passa a ler várias obras ao mesmo tempo. Em sua pasta ou bolsa ele tem sempre disponível uma variedade para que seus anseios sejam sempre realizados.

Os transeuntes literários são vencedores. Não se envergonham de assumir sua paixão por livros, apesar de muitos os discriminarem. São tachados muitas vezes com rótulos diversos e estereotipados, como pessoas tacanhas e chatas. Mas eles não estão nem aí. Continuam sua rotina, trilhando entre as letras.
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