Xeque
Quem tem costume de fazer palavras cruzadas, sabe que algo extremamente decepcionante é apanhar um desafio qualquer e depois de alguns minutos perceber que o desafio foi facilmente vencido. Não havendo qualquer esforço mental, o passatempo perde totalmente a graça. Em outros casos, a decepção vem disfarçada e você só se dá conta algum tempo depois. Por exemplo, numa partida de xadrez em que o seu oponente parece seguir uma difícil linha de raciocínio e quando você se dá conta, ele entrega o jogo à você num movimento. O que parecia ser um desafio, vira uma anedota. Percebam que o problema acontece porque previamente criamos expectativas, algumas induzidas por indícios muitas vezes duvidosos.
Como leitores estamos acostumados a criar expectativas por causa de alguns indícios que notamos antes de finalmente resolvermos ler uma obra. Observamos, por exemplo, a capa. Percebam como as capas da coleção de livros policiais da editora "Companhia das Letras" nos induz a conclusão de que há mistério em seu conteúdo e como somente as capas criam uma enorme vontade de solucionar esses mistérios. São capas negras, fotos sem muitas pistas, mas que chamam nossa atenção, deixando-nos curiosos. Outro indício que nos induz a criar expectativas são os dizeres nas contracapas ou orelhas. Falam um pouco sobre a obra, sobre outras obras do autor e sobre o próprio autor. Por último, a opinião que ouvimos de outros sobre a obra é talvez a maior fábrica de expectativas que existe. César Miranda, do maravilhoso Pró Tensão, escreveu num texto que "se todo mundo escrevesse um livro a respeito do livro que leu, muita coisa interessante se veria". Isso, justamente porque cada um consegue ver um aspecto diferente num mesmo livro.
Por tudo isso, apesar de alguns livros parecerem curiosos, tento controlar minhas expectativas. Não quero imaginar que terei um belo quebra-cabeças pela frente e encontrar na verdade um jogo infantil de montar. Por isso tudo comecei a ler "O Leilão do Lote 49" de Thomas Pynchon com bastante cuidado. Já ouvi gente cultuando Pynchon como o maior escritor americano do século XX. "O Leilão do Lote 49" dizem ser a obra que melhor serve como porta de entrada para conhecermos o trabalho do autor. A história é em si é simples: Édipa, a personagem principal, é escolhida pelo ex-namorado morto a cuidar da venda de alguns selos e a partir daí ela vai descobrindo uma conspiração internacional, o Tristero. Uma espécie de paródia do gênero policial. Mas apesar da aparente simplicidade, nada lá é tão óbvio. A obra a todo momento grita 'xeque', encurralando o leitor, que precisa se manter atento a detalhes que fazem diferença e tentar interpretar cenas que não parecem fazer qualquer sentido. Existem pistas falsas disfarçadas e pistas verdadeiras que parecem falsas. Por exemplo, numa pesquisa, descobri que a empresa 'Turn and Taxis' que é citada o tempo todo, apesar da falsa aparência, realmente existiu. Mesmo as pistas mais óbvias são também curiosas. O nome da personagem principal (Édipa) é a primeira, remetendo ao rei Édipo e sua busca pela verdade a qualquer preço (mesmo que seja um preço alto para si mesmo). Existe também a questão da comunicação: Édipa recebe uma mensagem no início do romance e a partir dela inicia-se uma investigação sobre uma conspiração envolvendo, claro!, mensagens. No final, a paranóia de Édipa se torna nossa própria paranóia, desconfiamos de tudo e de todos e nunca temos certeza de nada. Chegamos ao final como Édipa, sozinhos, como qualquer leitor e seu livro. O mistério permanece e os 'xeques', que ouvimos durante a leitura da obra, permanece ecoando nas nossas cabeças. Relutamos em entregar os pontos e admitir o xeque-mate final, queremos descobrir mais pistas, reler a obra com mais atenção, enfim, solucionar o desafio proposto.
Durante todo o romance o emblema do Tristero, uma trompa, aparece nos confundindo. A sensação é que estamos cercados pelo mistério, sem conseguir decifrá-lo. Mas não desistimos, assim como Édipa, e chegamos até o final aguardando o leilão do lote 49, onde os selos serão vendidos. As dúvidas permanecerão, provando que o nosso oponente (o autor) é um excelente jogador. Um presente para aqueles que estão cansados de ler obviedades.
Como leitores estamos acostumados a criar expectativas por causa de alguns indícios que notamos antes de finalmente resolvermos ler uma obra. Observamos, por exemplo, a capa. Percebam como as capas da coleção de livros policiais da editora "Companhia das Letras" nos induz a conclusão de que há mistério em seu conteúdo e como somente as capas criam uma enorme vontade de solucionar esses mistérios. São capas negras, fotos sem muitas pistas, mas que chamam nossa atenção, deixando-nos curiosos. Outro indício que nos induz a criar expectativas são os dizeres nas contracapas ou orelhas. Falam um pouco sobre a obra, sobre outras obras do autor e sobre o próprio autor. Por último, a opinião que ouvimos de outros sobre a obra é talvez a maior fábrica de expectativas que existe. César Miranda, do maravilhoso Pró Tensão, escreveu num texto que "se todo mundo escrevesse um livro a respeito do livro que leu, muita coisa interessante se veria". Isso, justamente porque cada um consegue ver um aspecto diferente num mesmo livro.
Por tudo isso, apesar de alguns livros parecerem curiosos, tento controlar minhas expectativas. Não quero imaginar que terei um belo quebra-cabeças pela frente e encontrar na verdade um jogo infantil de montar. Por isso tudo comecei a ler "O Leilão do Lote 49" de Thomas Pynchon com bastante cuidado. Já ouvi gente cultuando Pynchon como o maior escritor americano do século XX. "O Leilão do Lote 49" dizem ser a obra que melhor serve como porta de entrada para conhecermos o trabalho do autor. A história é em si é simples: Édipa, a personagem principal, é escolhida pelo ex-namorado morto a cuidar da venda de alguns selos e a partir daí ela vai descobrindo uma conspiração internacional, o Tristero. Uma espécie de paródia do gênero policial. Mas apesar da aparente simplicidade, nada lá é tão óbvio. A obra a todo momento grita 'xeque', encurralando o leitor, que precisa se manter atento a detalhes que fazem diferença e tentar interpretar cenas que não parecem fazer qualquer sentido. Existem pistas falsas disfarçadas e pistas verdadeiras que parecem falsas. Por exemplo, numa pesquisa, descobri que a empresa 'Turn and Taxis' que é citada o tempo todo, apesar da falsa aparência, realmente existiu. Mesmo as pistas mais óbvias são também curiosas. O nome da personagem principal (Édipa) é a primeira, remetendo ao rei Édipo e sua busca pela verdade a qualquer preço (mesmo que seja um preço alto para si mesmo). Existe também a questão da comunicação: Édipa recebe uma mensagem no início do romance e a partir dela inicia-se uma investigação sobre uma conspiração envolvendo, claro!, mensagens. No final, a paranóia de Édipa se torna nossa própria paranóia, desconfiamos de tudo e de todos e nunca temos certeza de nada. Chegamos ao final como Édipa, sozinhos, como qualquer leitor e seu livro. O mistério permanece e os 'xeques', que ouvimos durante a leitura da obra, permanece ecoando nas nossas cabeças. Relutamos em entregar os pontos e admitir o xeque-mate final, queremos descobrir mais pistas, reler a obra com mais atenção, enfim, solucionar o desafio proposto.
Durante todo o romance o emblema do Tristero, uma trompa, aparece nos confundindo. A sensação é que estamos cercados pelo mistério, sem conseguir decifrá-lo. Mas não desistimos, assim como Édipa, e chegamos até o final aguardando o leilão do lote 49, onde os selos serão vendidos. As dúvidas permanecerão, provando que o nosso oponente (o autor) é um excelente jogador. Um presente para aqueles que estão cansados de ler obviedades.
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