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16 agosto 2005

Salão do Livro I - O Bate-papo com Moacyr Scliar

Cheguei cedo ao bate-papo com Moacyr Scliar no Salão do Livro. Sentei-me logo na primeira fileira de cadeiras, tirei meu bloco de notas e o livro "O Centauro no Jardim" da pasta. Às 18:30, Moacyr Scliar, tranqüilo, passou pelo centro das cadeiras, sem nenhuma cerimônia e sentou-se na mesma fileira que eu à direita, enquanto aguardava pelos últimos preparativos. Pouco depois começa o evento.

A palestra começa com o escritor Francisco Moraes Mendes lembrando ao público alguns pontos em comum do escritor e o estado de Minas Gerais, como o prêmio Guimarães Rosa conquistado por Moacyr. Ressalta a todos também as principais características do escritor, como seu texto simples e fluente, e depois passa a palavra ao entrevistado. Moacyr agradece a oportunidade de estar presente a cidade que tanto o encanta e diz que há, de fato, uma série de características comuns entre Porto Alegre, sua cidade natal, e Belo Horizonte. Tais características de aproximação, segundo ele, poderiam ser utilizadas para a criação de eixo BH-Porto Alegre, para contrapor o eixo Rio-São Paulo. A introdução termina com a menção do mineiro Fernando Sabino, o homenageado do Salão deste ano.

O primeiro texto a ser falado, foi o conto "A Orelha de Van Gogh", do livro com o mesmo nome. Ressaltou que seus contos geralmente são escritos de uma só vez, talvez por isso sejam sempre contos curtos. Falou também que muitas das possibilidades de interpretação do texto não são propositais, surgem após a construção do conto. Exatamente isso que ocorreu no conto "A Orelha de Van Gogh", que se inicia com a interrogação sobre o que foi feito da orelha cortada do famoso pintor Van Gogh, mas que fala realmente da relação entre pai e filho. Falando como um médico, disse que hoje existe uma grande preocupação em se pesquisar o cérebro humano, mas que ele não acredita que um dia possam desvendar a fórmula para construção de uma idéia, a área do inconsciente, dos sonhos e devaneios.

Passando à obra "O Centauro no Jardim" - que também, segundo o escritor, primeiro foi escrito e depois é que ele percebeu a questão da dualidade dos imigrantes -, Moacyr Scliar lembrou-se de sua própria vida como imigrante. Sua educação em casa, o ensino dos costumes e tradições judaicas, e sua educação na escola, um novo mundo, completamente diferente ao que estava acostumado. Essa condição do imigrante faz criar questionamentos sobre sua identidade. "Quem realmente sou?", pergunta Scliar, "Este aqui em casa ou aquele lá da rua?".



A conversa começou a caminhar para um outro lado. Moacyr Scliar ressaltou que o escritor na verdade é, ao contrário do que muitos pensam, uma pessoa que escreve mal de certo modo. Normalmente uma pessoa escreve um e-mail, por exemplo, em poucos segundos, envia e pronto. O escritor normalmente não fica satisfeito com o que escreve e vai rescrevendo dezenas de vezes o mesmo parágrafo, até adquirir uma qualidade satisfatório. Como judeu, ele falou também do peso que o texto tem sobre seu povo. Ao invés de seus antepassados legarem pirâmides, como os egípcios por exemplo, os judeus deixaram um grande livro, a Bíblia, que até hoje é um best-seller lido em todo o mundo. Afirmou que com ele não foi diferente. Relembrando sua infância, Moacyr Scliar emocionou à platéia, contando que embora pobre, seus pais anualmente o levavam à feira do livro em Porto Alegre, da livraria do Globo, exclusivamente para comprar livros. Mesmo com todas as dificuldades a ordem na casa era não deixar faltar livros. Com isso, segundo ele, era uma tortura passar por tantos livros sendo expostos e, por causa da correria, não poder parar e comprar pelo menos um.

Já no final do bate-papo, Moacyr ainda fez uma previsão sobre o futuro de obras sobre imigrantes no Brasil. Como o tema é limitado (hoje a primeira geração de imigrantes já conta uma certa idade), provavelmente este será um tema cada vez mais esquecido no futuro. Em seu lugar, possivelmente teremos obra falando sobre brasileiros nos EUA. Perguntado sobre uma história que contam, de que ele teria se ausentado alguns minutos durante a cerimônia de sua formatura para escrever um conto, Moacyr disse se tratar apenas de uma lenda. Aproveitou para contar que era o orador da turma e que como militante político, aproveitou para fazer da tribuna um palanque inflamado e que por isso foi severamente repreendido em público pelo reitor. "A minha única ausência foi não ter respondido, ter ficado calado" - concluiu dizendo.

Após a entrevista, perguntas da platéia foram submetidas por escrito. Infelizmente já estava em cima da hora para a mesa de blogs (que conto mais tarde como foi), por isso não pude ouvir a resposta do escritor a minha pergunta (que foi a primeira). Satisfeito, levantei-me e corri para não perder o início da mesa-redonda.
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