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01 agosto 2005

Thomas Mann X Otto Maria Carpeaux

Em praticamente todas as listas de melhores livros do século XX, encontra-se o livro "A Montanha Mágica" de Thomas Mann, que neste mês de agosto é lembrado por ocasião do cinqüentenário de sua morte. No entanto, toda vez que se fala sobre o livro ou sobre o escritor, não consigo tirar da cabeça a forte crítica de Otto Maria Carpeaux, que na obra "Ensaios Reunidos" afirma que Mann é o ‘o maior escritor dos escritores de segunda ordem’. A avaliação, apesar de forte à primeira vista, acaba tendo algum sentido quando passamos a lê-lo de modo ‘aleatório’. Faça o teste: apanhe "A Montanha Mágica" e abra-o em uma parte qualquer. Ao lê-lo, inevitavelmente encontramos o que se pode chamar de ‘frases de efeito’.



Para exemplificar o que digo, avalie o seguinte trecho que encontramos durante a leitura do quinto capítulo, no final do subtítulo "Deus meu, eu vejo!":


"Viu, antecipado pela força dos raios, o futuro trabalho da decomposição; viu a carne em que vivia, solubilizada, aniquilada, reduzida a uma névoa inconsistente, no meio da qual se destacava o esqueleto minuciosamente plasmado da sua mão direita, e em torno da primeira falange do dedo anular pairava, preto e frouxo, o anel-sinete que o avô lhe legara, um objeto duro desta terra, com o qual os homens adornam o seu corpo destinado a desfazer-se por baixo dele, para que fique novamente livre e se possa enfiar em outra mão que o use durante algum tempo."

Semelhante a este, vários trechos longos do romance têm como característica principal a capacidade de impressionar o leitor mais pelo estilo usado do que pelo conteúdo escrito. Além disso, Mann tem a capacidade de, em certos trechos curtos, apresentar idéias que poderiam gerar debates acalorados, de modo bem sintetizadas, como no trecho abaixo:
"Não existe a não política. Tudo é política."

Ou de modo um pouco mais longo, mas numa frase apenas, como neste trecho:
"Existia, contudo, aos seus olhos, uma exploração mais nefanda ainda: a do tempo, a monstruosidade de se fazer pagar um prêmio pelo simples transcurso do tempo, esse prêmio que são os juros, e de se abusar desta forma, para vantagem de uns e para prejuízo de outros, de uma instituição divina e geral, o tempo."

No fim das contas, Carpeaux consegue olhar apenas para o lado negativo da forma de escrever de Mann. A seu favor, é possível afirmar que apesar dessa estilização excessiva, tudo funciona perfeitamente. É realmente irritante quando apanhamos um livro qualquer e percebemos que seu autor quer ser sempre o personagem principal dele. Encaixa erudição em certas passagens com o simples objetivo de fazer parecer um profundo conhecedor de todo assunto de que escrever. No caso de Mann, sua erudição não atrapalha suas histórias. Somente por isso, é possível colocar Mann num grau mais elevado do que um simples 'escritor de segunda ordem'. É uma tarefa bem difícil para um escritor escrever de um modo estilizado sem parecer pedante. Na maior parte das vezes este recurso irrita tanto o leitor que muitos, em determinado momento, não conseguem mais se concentrar na história, mas somente em procurar faltas para poder criticá-las. "A Montanha Mágica" é um belo exemplo disso. Mann chega ao cúmulo de escrever um grande diálogo, bem decisivo para o entendimento da história, em francês (que na edição em português também não é traduzido). E por mais incrível que isso possa parecer, o diálogo cumpre seu objetivo - no meu caso, tive que me virar através de uma tradução horrível de uma ferramenta de texto, mas valeu a pena. Lemos a obra, apreciamos o modo como foi escrito, sem nos irritarmos com seus excessos.

Numa partida de futebol é comum acontecer o seguinte: o jogador que recebe uma falta banal, cai dum modo tão patético, como se estivesse participando de uma coreografia ensaiada de dança, que o juiz da partida simplesmente desconsidera a falta que realmente ocorreu. Acho que é isso que faz com que muitos críticos, como Carpeaux por exemplo, critiquem as obras de Thomas Mann. No entanto, esses críticos, como juízes de futebol, não conseguem perceber que este excesso não anula a grandiosidade do talento do escritor. Passados tantos anos, as obras de Mann continuam a ser lidas por leitores que apreciam uma boa leitura, provando que seu lugar não é entre os menores, mas entre os grandes escritores de todos os tempos.

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