Um Livro Vindo do Laboratório Literário
A algum tempo atrás, defendi a leitura da literatura brasileira contemporânea. Ultimamente, tenho usado meu tempo para ler uma série de escritores brasileiros contemporâneos e tenho gostado de descobrir alguns autores talentosos. No entanto, a constatação clara é que apesar da qualidade de alguns escritores, anda faltando livros experimentais. Um bom autor contemporâneo é sempre aquele autor certinho, com personagens bem desenvolvidos, com um enredo fechadinho, com tudo aquilo que estamos acostumados a ver e apreciar, mas que daqui a dois ou três anos não fará muita diferença para nós, as emoções que o livro causou já estarão esquecidas. Hoje em dia não abrimos um livro com cara de laboratório: com experimentos no enredo ou nos personagens, com uma estrutura diferente ou algo que faça ampliar nossa visão de literatura. Grande parte do vemos são livros comuns. A falta de autores que ousam por apresentarem obras diferentes do que é a moda parece ter uma grande razão aparente: apresentar algo bastante diferente do que é comum, geralmente causa estranheza. Por este motivo achei muito bom a leitura de "O Livro de Zenóbia", de Maria Esther Maciel. Ao invés de elogiá-lo como um livro bom, elogio-o dizendo que é um livro estranho.
Maria Esther Maciel é professora universitária, especializada nas obras de Octávio Paz e do cineasta britânico Peter Greenaway. Seu livro "A Memória das Coisas" está entre os dez finalistas do prêmio Jabuti deste ano na categoria Teoria e Crítica literária. Por estas ligações ao meio universitário e ao lado teórico da literatura, é natural imaginar que "O Livro de Zenóbia" tem aquela cara de jaleco branco/tubo de ensaio/microscópio, ou seja, um livro que parece ser um experimento. O livro fala de uma personagem do interior de Minas Gerais, a Zenóbia do título. Mas não existe ali uma linguagem rural e sim uma linguagem bem trabalhada, 'intelectualizada'. O confronto entre os dois produz uma sensação de estranheza: numa página lemos a receita de um delicioso prato (nada poderia ser tão 'dona-de-casa'), noutra a personagem batiza o gato de Finnegans (numa referência à obra-prima de James Joyce, algo bem intelectual). A união entre o rural e o intelectual faz emergir uma obra que se aproxima da poesia, apesar de ser prosa.
Como todo livro experimental, existem também pontos fracos observáveis na obra de Maria Esther Maciel. O maior deles é sua falta de ritmo. Por sua linguagem trabalhada e pelas partes serem sempre breves, temos a sensação de que o livro não é contínuo. Parece até uma película de cinema que não está sendo reproduzida pelo projetor: vemos somente os quadros, não o filme. Esta união de quadros faz criar a imagem da personagem, mas uma imagem fosca. Talvez esta sensação pode ser em razão do livro ser apenas um livro da personagem, escrito em primeira pessoa, onde há a falta de personagens externos que ajudem a delinear seu perfil. Outro problema nada tem a ver com a autora e sim a editora Lamparina: o preço. Um livro com pouco mais de 150 páginas, sendo metade delas ilustrações, custando quase R$ 30,00, não me atraiu. Preferi recorrer à biblioteca.
De qualquer modo, observar que há uma obra com esse tom de realização de algo diferente, fora do modelo adotado, é algo bastante positivo. O romance prova que a autora tem bastante talento e que podemos esperar uma literatura um pouco mais fora de um padrão específico. Tanto é assim que o livro está na primeira lista para o prêmio Portugal Telecom. Ou seja, mesmo que não seja escolhido vencedor, vemos uma promessa boa para a nova literatura nacional.
<< Home