Machado de Assis Lá Fora
"O senhor reconhece que Machado é um escritor de estatura internacional, mas que é difícil justificar isso a um leitor estrangeiro. Por que o mundo se curva a Proust e a Joyce, e não a Machado? Problemas de tradução ou de interpretação?
Andei pensando neste problema ao escrever um ensaio sobre a tradução de Machado para um concurso, e ao dar aula na UFSC em Florianópolis sobre tradução no ano passado. Há muitos fatores, e a tradução faz parte, sem dúvida - falando só do inglês, há ao menos duas traduções vergonhosas, uma de Dom Casmurro (que omite 8 ou 9 capítulos), e outra, mais recente, de Memórias Póstumas de Brás Cubas, pelo famoso tradutor Gregory Rabassa, que cochilou em grande estilo. Mas as traduções dos anos 50, as primeiras, são boas, melhoráveis sem dúvida, mas boas. Não sei até que ponto a interpretação afeta a divulgação do autor - seria legal pensar que a publicação em tradução inglesa do livro de Roberto Schwarz sobre Brás Cubas afetasse, e pode ser que afete, mas a longo prazo. Para simplificar, podemos comparar Machado, não com escritores do século 20, mas com os russos contemporâneos dele. Esses escritores também vinham da periferia do mundo cultural da época, mas tiveram enorme impacto na civilização ocidental - Gogol, Turgueniev, Tolstoi, Dostoievski, Chekhov... - um dos segredos pode ser justamente o fato de serem muitos, e de Machado ser um só. Os russos se entreiluminam, podemos dizer, e o leitor pouco a pouco vai entrando nesse mundo social e político (a servidão, a burocracia, o regime autoritário...) e no âmbito cultural, de ideologias como o eslavofilismo, o niilismo, etc. Todos entraram em conjunto, vamos dizer, e um escritor reduzia a estranheza do outro. Machado não só está praticamente sozinho - nem na América Latina há nada parecido -, ele é encoberto, esconde as coisas de um jeito necessário, constitutivo podemos dizer, à ficção dele, e que dificulta a sua abordagem."
Entrevista do ensaísta inglês John Gledson, autor do livro "Por um Novo Machado de Assis" ao jornal Estado de São Paulo. A entrevista completa pode ser lida aqui.
Andei pensando neste problema ao escrever um ensaio sobre a tradução de Machado para um concurso, e ao dar aula na UFSC em Florianópolis sobre tradução no ano passado. Há muitos fatores, e a tradução faz parte, sem dúvida - falando só do inglês, há ao menos duas traduções vergonhosas, uma de Dom Casmurro (que omite 8 ou 9 capítulos), e outra, mais recente, de Memórias Póstumas de Brás Cubas, pelo famoso tradutor Gregory Rabassa, que cochilou em grande estilo. Mas as traduções dos anos 50, as primeiras, são boas, melhoráveis sem dúvida, mas boas. Não sei até que ponto a interpretação afeta a divulgação do autor - seria legal pensar que a publicação em tradução inglesa do livro de Roberto Schwarz sobre Brás Cubas afetasse, e pode ser que afete, mas a longo prazo. Para simplificar, podemos comparar Machado, não com escritores do século 20, mas com os russos contemporâneos dele. Esses escritores também vinham da periferia do mundo cultural da época, mas tiveram enorme impacto na civilização ocidental - Gogol, Turgueniev, Tolstoi, Dostoievski, Chekhov... - um dos segredos pode ser justamente o fato de serem muitos, e de Machado ser um só. Os russos se entreiluminam, podemos dizer, e o leitor pouco a pouco vai entrando nesse mundo social e político (a servidão, a burocracia, o regime autoritário...) e no âmbito cultural, de ideologias como o eslavofilismo, o niilismo, etc. Todos entraram em conjunto, vamos dizer, e um escritor reduzia a estranheza do outro. Machado não só está praticamente sozinho - nem na América Latina há nada parecido -, ele é encoberto, esconde as coisas de um jeito necessário, constitutivo podemos dizer, à ficção dele, e que dificulta a sua abordagem."
Entrevista do ensaísta inglês John Gledson, autor do livro "Por um Novo Machado de Assis" ao jornal Estado de São Paulo. A entrevista completa pode ser lida aqui.
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