Liberdade e Razão
O livro "Crime e Castigo" pode ser visto de muitos ângulos diferentes. São vários os temas que permeiam a obra: paranóia, religiosidade, culpa e redenção, crítica aos modelos sociais do Ocidente, crueldade na sociedade russa, liberdade e responsabilidade, para citar alguns. Claro que antes de mais nada, o livro se tornou popular por sua fórmula: a perseguição do rato pelo gato, o romance policial. Enfim, o romance consegue colocar na roda discussões filosóficas complexas e ao mesmo tempo ser popular, o que é para mim o grande mérito da obra. O que mais me chama a atenção no romance, no entanto, são suas críticas a liberdade individual e à razão.
Até que ponto uma pessoa pode tomar decisões levando em conta apenas sua própria liberdade? A pergunta que permeia o romance é feita do modo mais radical possível. Raskolnikov, o protagonista do romance decide matar uma velhinha. Pronto. Justifica sua ação imaginando um mundo de seres ordinários e extraordinários. Esses seres extraordinários são os que fazem o mundo mudar, enquanto os seres ordinários simplesmente giram a roda do mundo. Aos seres extraordinários tudo é permitido, principalmente passar por cima de leis vigentes. Raskolnikov quer provar a si mesmo que pode matar alguém e continuar vivendo numa boa. Ao colocar o foco sob o ponto de vista do assassino, o autor faz-nos questionar o valor da liberdade individual. Ou seja, até que limite podemos julgar uma pessoa? Se sua liberdade pessoal é limitada, como limitá-la sem que isso implique em uma infração de sua liberdade? Se, ao contrário, sua liberdade é ilimitada, como viver numa sociedade cujas regras preservam direitos, ao mesmo tempo que restringe o principal direito de alguém, que é sua liberdade, em favor de uma "liberdade coletiva"?
Misturado ao tema, temos a religiosidade, que é vista de modo freqüente na obra de Dostoiévski. A consciência atormenta o assassino, que se vê impossibilitado de viver com sua culpa. Precisa da redenção, através da confissão. Isso parece servir de catapulta para que o autor expresse suas críticas à razão. Por exemplo, o capítulo que narra o assassinato é extremamente claro. A única coisa que faz Raskolnikov ter medo é perder sua razão, não conseguir pensar claramente e se esquecer de algum detalhe que possa incriminá-lo. O contraste com os outros capítulos é visível: no capítulo 1 da primeira parte, percebemos um Raskolnikov paranóico e no capítulo 5 o autor descreve Raskolnikov pensando em diversas coisas de forma bem fragmentada, dando a idéia de que o personagem é incapaz de pensar claramente sobre qualquer coisa importante. Ou seja, apesar do autor descrever um personagem psicologicamente doente durante todo o romance, se lermos apenas o capítulo que narra o assassinato, vemos um Raskolnikov psicologicamente bem. Tudo é feito de modo claramente racional.
No final da obra também percebemos essa crítica à razão. Quando Raskolnikov é julgado culpado, sua pena é abrandada apesar do autor dizer que tudo foi dito tal qual aconteceu e novamente, embora não se narre as palavras do personagem, percebemos clareza e racionalidade. Ou seja, o modo racional de agir que deveria servir para o agravamento do delito, faz com que o assassino seja tratado com misericórdia. Dostoiévski, com isso, abre as portas para questões tais como: é realmente a razão algo assim tão importante? Pode ela substituir a fé, por exemplo? A discussão da razão X fé é percebida na descrição do protagonista racional (assassino) e do protagonista que busca sua redenção (confissão e cumprimento da pena).
Hoje em dia, muitos dizem que "Crime e Castigo" envelheceu mais do que devia. Seus temas e seus argumentos, para muitos, é fraco e completamente influenciado por pontos de vista que às vezes beiram o preconceito. Pessoalmente, não encaro assim. Acredito que muitas das questões colocados durante o romance ainda são bem pertinentes. A sociedade atual vem cada vez mais levantando uma bandeira de liberdade sem questionar sobre suas implicações. Boa parte das pessoas buscam liberdade sem se lembrarem que isso envolve muita responsabilidade. Por exemplo, muitos louvam a internet como o meio mais libertário que a humanidade poderia sonhar. É um campo em que tudo é permitido, segundo a visão de alguns. Com isso, quando alguém vai à justiça por causa de algum conteúdo distribuído indiscriminadamente (notícias irresponsáveis, materiais piratas, etc.) boa parte das pessoas já bradam insultos aos "inimigos" da liberdade. E nem sempre é assim.
Também hoje, a razão é colocada acima de qualquer aspecto. Muitos acham que o mundo deve ser "racionalmente" explicado. Num mundo moderno, para muitos, não há lugar para a fé. O problema é que não há espaço para uma compreensão dos problemas humanos, adotando esse ponto de vista. A intolerância religiosa que muitos criticam é simplesmente transformada. Razão vira religião e, de modo intolerante, muitos buscam impor seus conceitos sem respeitar o ponto de vista daqueles que não concordam. Questões polêmicas (por exemplo o aborto, o uso de embriões humanos em pesquisas, etc.) devem ser tratadas de modo racional e enfiadas goela abaixo dos que "prejudicam" a vida, com seu modo religioso de ver o mundo. Em resumo, ao questionar alguns temas, nem sempre encontramos o certo ou o errado, mas muitas vezes ampliamos nossa visão por considerar mais aspectos que estão em nosso redor.
Até que ponto uma pessoa pode tomar decisões levando em conta apenas sua própria liberdade? A pergunta que permeia o romance é feita do modo mais radical possível. Raskolnikov, o protagonista do romance decide matar uma velhinha. Pronto. Justifica sua ação imaginando um mundo de seres ordinários e extraordinários. Esses seres extraordinários são os que fazem o mundo mudar, enquanto os seres ordinários simplesmente giram a roda do mundo. Aos seres extraordinários tudo é permitido, principalmente passar por cima de leis vigentes. Raskolnikov quer provar a si mesmo que pode matar alguém e continuar vivendo numa boa. Ao colocar o foco sob o ponto de vista do assassino, o autor faz-nos questionar o valor da liberdade individual. Ou seja, até que limite podemos julgar uma pessoa? Se sua liberdade pessoal é limitada, como limitá-la sem que isso implique em uma infração de sua liberdade? Se, ao contrário, sua liberdade é ilimitada, como viver numa sociedade cujas regras preservam direitos, ao mesmo tempo que restringe o principal direito de alguém, que é sua liberdade, em favor de uma "liberdade coletiva"?
Misturado ao tema, temos a religiosidade, que é vista de modo freqüente na obra de Dostoiévski. A consciência atormenta o assassino, que se vê impossibilitado de viver com sua culpa. Precisa da redenção, através da confissão. Isso parece servir de catapulta para que o autor expresse suas críticas à razão. Por exemplo, o capítulo que narra o assassinato é extremamente claro. A única coisa que faz Raskolnikov ter medo é perder sua razão, não conseguir pensar claramente e se esquecer de algum detalhe que possa incriminá-lo. O contraste com os outros capítulos é visível: no capítulo 1 da primeira parte, percebemos um Raskolnikov paranóico e no capítulo 5 o autor descreve Raskolnikov pensando em diversas coisas de forma bem fragmentada, dando a idéia de que o personagem é incapaz de pensar claramente sobre qualquer coisa importante. Ou seja, apesar do autor descrever um personagem psicologicamente doente durante todo o romance, se lermos apenas o capítulo que narra o assassinato, vemos um Raskolnikov psicologicamente bem. Tudo é feito de modo claramente racional.
No final da obra também percebemos essa crítica à razão. Quando Raskolnikov é julgado culpado, sua pena é abrandada apesar do autor dizer que tudo foi dito tal qual aconteceu e novamente, embora não se narre as palavras do personagem, percebemos clareza e racionalidade. Ou seja, o modo racional de agir que deveria servir para o agravamento do delito, faz com que o assassino seja tratado com misericórdia. Dostoiévski, com isso, abre as portas para questões tais como: é realmente a razão algo assim tão importante? Pode ela substituir a fé, por exemplo? A discussão da razão X fé é percebida na descrição do protagonista racional (assassino) e do protagonista que busca sua redenção (confissão e cumprimento da pena).
Hoje em dia, muitos dizem que "Crime e Castigo" envelheceu mais do que devia. Seus temas e seus argumentos, para muitos, é fraco e completamente influenciado por pontos de vista que às vezes beiram o preconceito. Pessoalmente, não encaro assim. Acredito que muitas das questões colocados durante o romance ainda são bem pertinentes. A sociedade atual vem cada vez mais levantando uma bandeira de liberdade sem questionar sobre suas implicações. Boa parte das pessoas buscam liberdade sem se lembrarem que isso envolve muita responsabilidade. Por exemplo, muitos louvam a internet como o meio mais libertário que a humanidade poderia sonhar. É um campo em que tudo é permitido, segundo a visão de alguns. Com isso, quando alguém vai à justiça por causa de algum conteúdo distribuído indiscriminadamente (notícias irresponsáveis, materiais piratas, etc.) boa parte das pessoas já bradam insultos aos "inimigos" da liberdade. E nem sempre é assim.
Também hoje, a razão é colocada acima de qualquer aspecto. Muitos acham que o mundo deve ser "racionalmente" explicado. Num mundo moderno, para muitos, não há lugar para a fé. O problema é que não há espaço para uma compreensão dos problemas humanos, adotando esse ponto de vista. A intolerância religiosa que muitos criticam é simplesmente transformada. Razão vira religião e, de modo intolerante, muitos buscam impor seus conceitos sem respeitar o ponto de vista daqueles que não concordam. Questões polêmicas (por exemplo o aborto, o uso de embriões humanos em pesquisas, etc.) devem ser tratadas de modo racional e enfiadas goela abaixo dos que "prejudicam" a vida, com seu modo religioso de ver o mundo. Em resumo, ao questionar alguns temas, nem sempre encontramos o certo ou o errado, mas muitas vezes ampliamos nossa visão por considerar mais aspectos que estão em nosso redor.
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