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03 agosto 2005

Comprar Livros É Um Bom Negócio?

Prestando atenção ao que ocorre no mercado editorial brasileiro conseguimos observar diversos pontos que nos fazem chegar à conclusão que produzir livros é um bom negócio. Um número expressivo de editoras são criadas a cada ano. Livrarias hoje não são mais o lugar onde se vende livros e sim o lugar onde é possível participar de debates filosóficos, ouvir uma palestra dum bom autor, ouvir música e navegar na internet. Livraria hoje é sinônimo de 'programa cabeça'. Além delas, no entanto, consolidou-se hoje uma nova modalidade de entretenimento literário: os saraus em bares e cafés. Os prêmios Jabuti ou Portugal Telecom, que antes eram completamente esquecidos, hoje têm a capacidade de chamar atenção da mídia e muitas vezes estimulam as vendas de determinado livro indicado. Por último, o sucesso de feiras de livros em diversas partes do país consolida a idéia de que é possível faturar um bom dinheiro vendendo livros. Mesmo assim, ainda continuo a me perguntar o que leva alguém a comprar um livro.

O cardápio básico de um leitor mediano envolve uns quatro livros, de cerca de duzentas páginas cada um, ou talvez dois livros de quatrocentas páginas a cada mês. Levando-se em conta esta receita, e somando os preços de livros que podem ser adquiridos com estas especificações, chego sempre a conclusão de que quem compra livros em nosso país sofre de algum sério distúrbio. Não é possível simplificar a questão simplesmente afirmando que quem compra livros é um bibliófilo. O bibliófilo, mais do que um colecionador de livros, é um amante dos livros. Trata-os como se fossem obras de arte (que às vezes o são, dado sua raridade) e na grande maioria dos casos não os compra para lê-los, mas pelo simples fetiche de tê-los. Propriedade, sendo um fim em si mesmo, sem a preocupação do usufruto através da leitura. Mas o mero leitor, que carrega seus livros para cima e para baixo em ônibus, na fila, no shopping ou durante o almoço, que muitas vezes faz questão de marcar os trechos mais interessantes ou, pior, que imediatamente após interromper a leitura de determinado trecho, faz uma orelha no canto superior da página, como forma de marcação, que motivo teria o dito cujo para comprar um livro?

A maior parte dos brasileiros vive a rotina de pagamento de dívidas de cartões de crédito e de cheque especial. Mesmo assim, muitos incorporaram ao seu orçamento o valor gasto com livros mensalmente. Pior que isso, em muitos casos os livros são simplesmente armazenados para uma leitura posterior, que se adia indefinidamente. A posse se torna uma mania. Economicamente falando, comprar livros novos é quase sempre um grande prejuízo. Também, em grande parte das vezes, sua compra não se justifica pelo acesso ao seu conteúdo. A grande maioria dos textos podem ser encontrados em bibliotecas, podem ser conseguidos através de um empréstimo feito a um amigo, ou até por meio eletrônico, via internet. Estudando todos os aspectos racionais da questão, a avaliação é de que comprar livros é um paradoxo.

A compra de livros, portanto, parece não ter nada a ver com aspectos racionais. Lembre-se, por exemplo, de Peter Kien, personagem de Elias Canetti em "Auto-de-fé", que não conseguia se separar de seus adorados livros. Quando tinha de cumprir sua terrível tarefa de ir até as livrarias em busca de alguma novidade, gastava horas escolhendo que livros levaria junto, que livros sentiria estarem próximos a si durante sua fuga do lugar que mais amava, sua biblioteca. A paixão do leitor pela compra, portanto, parece estar ligada a necessidade de aproximação do objeto de prazer. Esta aproximação não se resume apenas ao prazer intelectual proporcionado pela transformação das letras impressas sobre o papel em uma idéia significativa, um cenário imaginário criado a partir das palavras. Antes, envolve o prazer pelo próprio objeto capaz disso: o livro. O prazer da sua beleza - desde a capa, até o modo como seu texto está impresso - até sua cheiro ou mesmo o som emitido pelas páginas manuseadas. Nesse mundo de sentidos, a utilidade imediata não tem qualquer relevância. Posso comprar o livro pelo simples motivo de tê-lo, isso apesar da necessidade, do vício, da leitura.



O vício da leitura com o tempo gera um novo vício: a obsessão de posse. Nossa obsessão seria algo como a obsessão de Pierre Menard, de Jorge Luis Borges em "Ficções", que passa a escrever um Dom Quixote, que na verdade é exatamente igual ao Dom Quixote de Cervantes. Vejam bem: não se trata de uma cópia, mas sim da capacidade que o autor adquiriu de escrever exatamente como Cervantes, roubando dele o texto "Dom Quixote", na sua forma mais primitiva de idéia. O ato de comprar é então um modo de burlar essa necessidade, como o chiclete faz tranquilizar o ex-fumante, um meio de extendermos nossa capacidade de assimilação da obra. Comprar um livro, apesar de aparentemente ser um ato irracional, é também uma forma de prazer, que precede o prazer da leitura, tornando-o mais vigoroso. O ato de comprar, portanto, é a máxima declaração de amor aos livros.

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