Os Problemas da Literatura Brasileira Contemporânea
Em primeiro lugar gostaria de dizer que este texto não foi escrito com o objetivo de valorizar ou desvalorizar a literatura brasileira contemporânea. São apenas impressões pessoais que acredito serem relevantes para que sejam ao menos debatidas por quem gosta de literatura. Escrevi outro post aqui em que falo sobre a leitura de literatura brasileira contemporânea. Porém, os problemas desta literatura existem e é disso que quero tratar aqui. Não cito nomes de autores porque o objetivo não é tratar de autores específicos, mas do cenário atual da literatura e espero que isso fique bem evidente. O leitor, se quiser, poderá interrogar-se e verificar se minhas afirmações são procedentes ou não.
O primeiro problema que percebo é a associação de grande parte dos escritores brasileiros contemporâneos - para não dizer que tentam escrever "igual a" - aos escritores americanos da contracultura. Fante, Bukowski e Salinger são frequentemente citados como fonte de inspiração e não é difícil perceber que são lidos e imitados por vários. A tendência é, portanto, a adaptação do movimento ao cenário brasileiro. Tal associação se faz, em grande parte, somente com elementos estéticos em busca de um efeito de 'transgressão', para usar uma expressão muito em modo hoje. São personagens que vivem entre o sexo e às drogas, dum modo on the road a la Kerouac. O problema é que esse efeito que se busca não está ligado as questões que foram discutidas nos EUA da época - até porque tais questões já se tornaram irrelevantes até mesmo lá, que dirá aqui. A tentativa de inserir novas questões neste modelo de literatura - questões que às vezes são importantes ao momento vivido pela cultura brasileira -, torna-se somente uma imitação destes escritores. O verniz que é passado sobre estes para torná-los mais atuais não funciona, faz parecer que os autores atuais escrevem sobre algo que não nos diz respeito. Pior: em alguns casos o desleixo da obra é evidente, mas o autor prefere afirmar que isso faz parte do estilo dela.
Ligado a isso, há também a enorme obsessão de usar o sexo e a violência como ponto de partida para a literatura. Importante ressaltar que não há qualquer problema em usar sexo ou violência na literatura, o problema reside somente no fato de que tais temas geralmente são tratados de modo único. O sexo, na cultura em que vivemos tradicionalmente religiosa, durante muito tempo foi um tabu, um sinônimo de pornografia. Com as mudanças - leia-se aqui principalmente as conquistas dos movimentos feministas - parece que todos viram uma necessidade urgente de falar sobre sexo, independente do contexto da obra. A sensação é, portanto, a de um estilingue que foi esticado ao máximo e depois é solto. Passou-se de um extremo a outro. São poucos os autores brasileiros que conseguem colocar o sexo na literatura como algo natural. Na maior parte das vezes parece que querem transformá-lo em algo chocante. Quanto mais pervertido e impactante melhor, embora tudo em volta não pareça justificar sua inserção. No final, a literatura se torna algo como um blockbuster do cinema americano, daqueles bem ruins em que uma imagem erótica é colocada na capa para atrair espectadores. Com a desvantagem de que no cinema, a imagem tem um efeito muito mais eficiente do que na literatura. Os que se justificam citando Freud e a psicanálise, na maior parte das vezes, sugerem que Freud e a psicanálise estão resumidos na sexualidade. Uma ofensa a Freud e um reducionismo sem sentido de sua teoria, já que Freud - um teórico dualista - sempre contrapôs os impulsos sexuais à outros não ligados à sexualidade.
Quanto a violência, por vezes ligada também ao sexo, existe pelo menos a justificativa de que se trata de um tema relevante para a cultura brasileira acostumada a tratar de assuntos urbanos. Num Brasil que vivia uma ditadura militar e numa cultura onde temas urbanos, como a violência, ainda não estavam na roda de discussões, o lançamento de "Feliz Ano Novo" de Rubem Fonseca foi de grande importância. Não somente o tema, mas a sua utilização em contos, proporcionou uma multiplicação das perspectivas literárias, melhorando o cenário literário. Porém, o que vemos atualmente é um grande número de autores que usam a violência e os temas urbanos - e o já bem visto recurso da fragmentação da narrativa - dum modo que apenas arranha as consequências advindas deste cenário. Ao invés de evoluírem por exemplo para o clima de paranóia, onde as fobias sociais explodiram e as implicações da falta de privacidade em prol de uma suposta redução dos efeitos nocivos da violência já são pensados, a grande maioria dos autores ainda repisa o modelo criado por Rubem Fonseca, tentando apenas fazê-lo com novas técnicas, sem se concentrar em como suas idéias abriram novos caminhos para a época e, assim, em como pode-se conseguir também abrir novos caminhos hoje. A utilização do tema, embora importante, hoje parece estar completamente desatualizado. Se é para falar sobre "a realidade" das favelas, queira me desculpar, mas prefiro assistir ao noticiário das oito do que ler um livro.
Por último, é preciso ressaltar que existe um grande abismo entre os leitores e a academia. Diversas vezes a transição é sempre de um extremo ao outro. Pessoas imaginam que existe apenas dois cenários: literatura voltada às massas, de puro entretenimento e classificada como irrelevante, e a alta literatura, aprovada pela crítica e pelos acadêmicos e classificada como relevante. A grande maioria dos acadêmicos acredita que a literatura tem que estar relacionada com as questões existenciais do homem e quanto mais rica esta investigação, melhor a obra. Mas esta visão entra em conflito com a grande maioria de leitores que procuram prazer na literatura, independentemente disto se tratar ou não de questões universais. Tanto é assim que nas universidades e entre os críticos (acho que não só do Brasil mas de quase todo o mundo), geralmente expressões que denotam prazer são usadas em ensaios ou resenhas como sinônimo de banalidade. Se uma obra literária é rotulada como 'divertida', geralmente a crítica é negativa, ao passo que se o texto utiliza a palavra 'desafiadora', possivelmente a crítica será positiva. Por causa desta postura é que livros como "Ulisses" de James Joyce, são elogiados em várias críticas, ao passo que muitos leitores não gostam da obra e não entendem os elogios. Com isso em mente, muitos autores atuais escrevem somente para um tipo de público, para o leitor que tem grandes conhecimentos de literatura e que buscam nela não o prazer imediato, mas o desafio de identificar conceitos e técnicas literárias. Mas e se todo o trabalho literário estiver contido num texto que é também prazeroso? Por que priorizar técnicas literárias e deixar o prazer na leitura num nível abaixo? Certamente é possível criar literatura num meio termo, um texto que seja valorizado tanto por acadêmicos e críticos, como por leitores comuns. Mas, apesar disso, parece que os dois lados estão cada dia mais afastados, onde os livros são completamente herméticos ou divertidos, porém rasos.
Não imagino que tais questões resumem tudo o que a literatura contemporânea tem de ruim. Existem evidentes interesses comerciais que nem sempre valorizam alguns bons escritores. Nem posso afirmar que todos os leitores têm esta mesma visão, já que para alguns, características que aqui levanto são exatamente as que devem ser valorizadas. Mas não creio que penso sozinho em tais questões. De qualquer modo, a palavra 'projeto' deve passar a fazer parte do cotidiano dos autores atuais. É preciso, antes de tudo, analisar em que medida um escritor está disposto a avançar nestas questões. Já passa da hora de escritores se preocuparem menos em dizer as mesmas coisas com uma nova estética ou técnica e passar a tratar de novas idéias. Escritores que fazem isso escrevem livros, enquanto os que criam um projeto literário eficiente têm a perspectiva de criarem obras. Editoras, críticos e acadêmicos têm um papel fundamental em levantar questões que estarão presentes numa nova literatura, valorizadora de idéias. Esta nova postura poderá fazer com que nossa literatura seja melhor vista não somente por nós, leitores brasileiros, mas por leitores de outros países. E não existe um tempo melhor do que o agora para que isso aconteça.
O primeiro problema que percebo é a associação de grande parte dos escritores brasileiros contemporâneos - para não dizer que tentam escrever "igual a" - aos escritores americanos da contracultura. Fante, Bukowski e Salinger são frequentemente citados como fonte de inspiração e não é difícil perceber que são lidos e imitados por vários. A tendência é, portanto, a adaptação do movimento ao cenário brasileiro. Tal associação se faz, em grande parte, somente com elementos estéticos em busca de um efeito de 'transgressão', para usar uma expressão muito em modo hoje. São personagens que vivem entre o sexo e às drogas, dum modo on the road a la Kerouac. O problema é que esse efeito que se busca não está ligado as questões que foram discutidas nos EUA da época - até porque tais questões já se tornaram irrelevantes até mesmo lá, que dirá aqui. A tentativa de inserir novas questões neste modelo de literatura - questões que às vezes são importantes ao momento vivido pela cultura brasileira -, torna-se somente uma imitação destes escritores. O verniz que é passado sobre estes para torná-los mais atuais não funciona, faz parecer que os autores atuais escrevem sobre algo que não nos diz respeito. Pior: em alguns casos o desleixo da obra é evidente, mas o autor prefere afirmar que isso faz parte do estilo dela.
Ligado a isso, há também a enorme obsessão de usar o sexo e a violência como ponto de partida para a literatura. Importante ressaltar que não há qualquer problema em usar sexo ou violência na literatura, o problema reside somente no fato de que tais temas geralmente são tratados de modo único. O sexo, na cultura em que vivemos tradicionalmente religiosa, durante muito tempo foi um tabu, um sinônimo de pornografia. Com as mudanças - leia-se aqui principalmente as conquistas dos movimentos feministas - parece que todos viram uma necessidade urgente de falar sobre sexo, independente do contexto da obra. A sensação é, portanto, a de um estilingue que foi esticado ao máximo e depois é solto. Passou-se de um extremo a outro. São poucos os autores brasileiros que conseguem colocar o sexo na literatura como algo natural. Na maior parte das vezes parece que querem transformá-lo em algo chocante. Quanto mais pervertido e impactante melhor, embora tudo em volta não pareça justificar sua inserção. No final, a literatura se torna algo como um blockbuster do cinema americano, daqueles bem ruins em que uma imagem erótica é colocada na capa para atrair espectadores. Com a desvantagem de que no cinema, a imagem tem um efeito muito mais eficiente do que na literatura. Os que se justificam citando Freud e a psicanálise, na maior parte das vezes, sugerem que Freud e a psicanálise estão resumidos na sexualidade. Uma ofensa a Freud e um reducionismo sem sentido de sua teoria, já que Freud - um teórico dualista - sempre contrapôs os impulsos sexuais à outros não ligados à sexualidade.
Quanto a violência, por vezes ligada também ao sexo, existe pelo menos a justificativa de que se trata de um tema relevante para a cultura brasileira acostumada a tratar de assuntos urbanos. Num Brasil que vivia uma ditadura militar e numa cultura onde temas urbanos, como a violência, ainda não estavam na roda de discussões, o lançamento de "Feliz Ano Novo" de Rubem Fonseca foi de grande importância. Não somente o tema, mas a sua utilização em contos, proporcionou uma multiplicação das perspectivas literárias, melhorando o cenário literário. Porém, o que vemos atualmente é um grande número de autores que usam a violência e os temas urbanos - e o já bem visto recurso da fragmentação da narrativa - dum modo que apenas arranha as consequências advindas deste cenário. Ao invés de evoluírem por exemplo para o clima de paranóia, onde as fobias sociais explodiram e as implicações da falta de privacidade em prol de uma suposta redução dos efeitos nocivos da violência já são pensados, a grande maioria dos autores ainda repisa o modelo criado por Rubem Fonseca, tentando apenas fazê-lo com novas técnicas, sem se concentrar em como suas idéias abriram novos caminhos para a época e, assim, em como pode-se conseguir também abrir novos caminhos hoje. A utilização do tema, embora importante, hoje parece estar completamente desatualizado. Se é para falar sobre "a realidade" das favelas, queira me desculpar, mas prefiro assistir ao noticiário das oito do que ler um livro.
Por último, é preciso ressaltar que existe um grande abismo entre os leitores e a academia. Diversas vezes a transição é sempre de um extremo ao outro. Pessoas imaginam que existe apenas dois cenários: literatura voltada às massas, de puro entretenimento e classificada como irrelevante, e a alta literatura, aprovada pela crítica e pelos acadêmicos e classificada como relevante. A grande maioria dos acadêmicos acredita que a literatura tem que estar relacionada com as questões existenciais do homem e quanto mais rica esta investigação, melhor a obra. Mas esta visão entra em conflito com a grande maioria de leitores que procuram prazer na literatura, independentemente disto se tratar ou não de questões universais. Tanto é assim que nas universidades e entre os críticos (acho que não só do Brasil mas de quase todo o mundo), geralmente expressões que denotam prazer são usadas em ensaios ou resenhas como sinônimo de banalidade. Se uma obra literária é rotulada como 'divertida', geralmente a crítica é negativa, ao passo que se o texto utiliza a palavra 'desafiadora', possivelmente a crítica será positiva. Por causa desta postura é que livros como "Ulisses" de James Joyce, são elogiados em várias críticas, ao passo que muitos leitores não gostam da obra e não entendem os elogios. Com isso em mente, muitos autores atuais escrevem somente para um tipo de público, para o leitor que tem grandes conhecimentos de literatura e que buscam nela não o prazer imediato, mas o desafio de identificar conceitos e técnicas literárias. Mas e se todo o trabalho literário estiver contido num texto que é também prazeroso? Por que priorizar técnicas literárias e deixar o prazer na leitura num nível abaixo? Certamente é possível criar literatura num meio termo, um texto que seja valorizado tanto por acadêmicos e críticos, como por leitores comuns. Mas, apesar disso, parece que os dois lados estão cada dia mais afastados, onde os livros são completamente herméticos ou divertidos, porém rasos.
Não imagino que tais questões resumem tudo o que a literatura contemporânea tem de ruim. Existem evidentes interesses comerciais que nem sempre valorizam alguns bons escritores. Nem posso afirmar que todos os leitores têm esta mesma visão, já que para alguns, características que aqui levanto são exatamente as que devem ser valorizadas. Mas não creio que penso sozinho em tais questões. De qualquer modo, a palavra 'projeto' deve passar a fazer parte do cotidiano dos autores atuais. É preciso, antes de tudo, analisar em que medida um escritor está disposto a avançar nestas questões. Já passa da hora de escritores se preocuparem menos em dizer as mesmas coisas com uma nova estética ou técnica e passar a tratar de novas idéias. Escritores que fazem isso escrevem livros, enquanto os que criam um projeto literário eficiente têm a perspectiva de criarem obras. Editoras, críticos e acadêmicos têm um papel fundamental em levantar questões que estarão presentes numa nova literatura, valorizadora de idéias. Esta nova postura poderá fazer com que nossa literatura seja melhor vista não somente por nós, leitores brasileiros, mas por leitores de outros países. E não existe um tempo melhor do que o agora para que isso aconteça.
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