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04 março 2005

Hipertexto

Vladimir Nabokov em "Fogo Pálido" explodiu com todos os limites de um texto. James Joyce ampliou a visão do texto literário em "Ulisses" mas foi Nabokov quem enterrou de vez a noção de "limite" que os leitores conheciam até então. Antigamente um livro tinha começo, meio e fim. Joyce ampliou esta noção em "Ulisses" ao encher o texto com referências e criar histórias paralelas dentro do livro e exigindo muito mais do leitor do que pensar de modo linear. Nabokov em "Fogo Pálido" transformou a literatura ao criar um texto-hipertexto. Não existe começo, meio e fim, mas sim o livro. Nabokov escreveu um livro sobre livro num livro. Até hoje os especialistas discutem se na verdade existe um, dois ou vários narradores na obra. A obra se divide em um prefácio, assinado por Charles Kinbote, um longo poema dividido em quatro cantos, escrito por John Francis Shade, uma lista de notas sobre o poema, também de autoria de Charles Kinbote e por último um índice remissivo com a descrição de alguns personagens.

A história é a seguinte: Charles Kinbote se apropria, edita e publica o longo poema "Fogo Pálido" de autoria de seu amigo(?) Shade, morto pouco depois de concluir a obra. O poema é seguido por notas que, segundo Kinbote, dão todo o sentido à obra. São anotações de versos desprezados, histórias pessoais do editor, referências às suas referências, etc. Começamos tentando acompanhar essas referências com o texto, mas a cada "explicação" o incômodo causado fica maior. Parece que na verdade Kinbote quer nos contar sua própria história. Numa primeira leitura, encontramos um sentido, mas Nabokov espalha diversas outras pistas pelo romance que criam uma charada. A sensação ao final é de existe algo mais ali, ou seja, que estamos caindo numa armadilha. Acho que o melhor termo que simplifica todas essas sensações é de que este é um livro que nos provoca. Ao final, queremos lê-lo novamente e descobrir esse "sentido oculto" que o escritor deixa no ar.

Nabokov embaralha nossos sentidos de forma magnífica. Ao criar o personagem Kinbote, que obsessivamente relaciona o poema a eventos de Zembla (terra natal do personagem) somos imediatamente levados a duvidar de tudo que está escrito. Certos trechos parecem estar deslocados ou parecem ser desnecessários. Kinbote pincela referências externas em suas notas - livros e autores que realmente existem e outros que não existem, fatos como um furacão que devastou os EUA chamado Lolita(!) ou personagens como o professor Pnin. Nabokov entrelaça seu texto à exaustão e faz de tudo para que não acreditemos na história. Se Borges "previu" o caos da internet, foi Nabokov quem mostrou-nos as possibilidades do hipertexto.
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