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17 maio 2005

Os Dois Mundos de "Dom Quixote"

Um dos ensaios que mais gosto em "Outras Inquisições", de Jorge Luis Borges, é justamente sobre "Dom Quixote" e chama-se "Magias Parciais do Quixote". Na conclusão do ensaio, Borges escreve:

"...Por que nos inquieta que Dom Quixote seja leitor do Quixote, e Hamlet, espectador de Hamlet? Creio ter encontrado a causa: tais inversões sugerem que, se os personagens de uma ficção podem ser leitores ou espectadores, nós, seus leitores ou espectadores, podemos ser fictícios..."

Tal constatação, aparentemente maluca, é algo que faz de "Dom Quixote" um dos melhores livros já escritos. Cervantes apresenta ao leitor dois mundos, o mundo real e a fantasia, e ora aproxima os dois, ora os afasta. De um modo revolucionário na literatura, Cervantes coloca o personagem na pele do leitor e o leitor na pele do personagem, permitindo que fatos reais e a ficção se confundam. A ordem, para Cervantes, é que na literatura vale tudo, inclusive criar personagens que, no fundo, no fundo, são fãs de si mesmos. E às vezes também de seu próprio autor.

Quase quatrocentos anos depois da escolha inovadora de Cervantes em ser 'realista', dum jeito totalmente incomum, o que mais vemos poraí são reinvenções da mesma fórmula, o que só enfatiza quão importante é o Quixote para nossa literatura. Só para citar um exemplo, quem já leu o best-seller "O Mundo de Sofia", que aqui no Brasil também faz grande sucesso (a ponto de alguns o colocarem entre os melhores que já leram), vai encontrar a mesma fórmula por trás das aulas de filosofia que estão escritas. O livro é basicamente dividido em filosofia básica para leigos e personagens que interagem com a realidade, até que no fim conseguem finalmente sair do mundo da ficção e entrarem num mundo em que ficção e realidade estão fundidos. Tal qual o Quixote, dá a impressão de que podemos ser também fictícios. Somente há uma diferente: Cervantes é um mestre, enquanto Jostein Gaarder é apenas um mero aprendiz no mundo da literatura.
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