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13 setembro 2005

Sombras & Fatos

Li no exemplar da revista "Entrelivros" deste mês uma entrevista de Millôr Fernandes e fiquei surpreendido com uma crítica que ele faz a Machado de Assis. Segundo Millôr, o romance "Dom Casmurro" é um romance homossexual que deveria ser mais explicito (se entendi bem seu ponto de vista). Sendo assim, sua conclusão é que Machado de Assis se escondeu e foi, portanto, uma pessoa falsa. A crítica pareceu tão sem fundamento quanto alguém criticar sombras por elas serem apenas sombras e não o que as projetam.


Machado de Assis é um falso, mas no bom sentido. Ele era um escritor de histórias de ficção e como tal, um escritor de falsidades como todo bom escritor. "Dom Casmurro" é um livro tão ambíguo que de fato há uma série de observações que são feitas a seu respeito por leitores e críticos, que direcionam seu entendimento para diversos lados. No texto há frases que sugerem que Capitu traiu Bentinho, que num julgamento poderiam ser usadas como 'prova'. Mas o contrário também é verdade, existem frases que nos levam a outro entendimento. Tanto é assim, que discussões e obras críticas não faltam. Agora, de repente vem o Millôr e tira umas frases que provam uma relação homossexual entre Bentinho e Escobar e acha que o Machado de Assis escreveu um livro homossexual. Sinceramente, não consigo entender. Um livro que foi escrito de forma ambígua, que possui uma série de suposições possíveis, serve de referência para que algum leitor afirme categoricamente que o autor queria isso ou aquilo? E sendo essa a maior virtude do livro, faz algum sentido criticá-lo por ele não ser tão explícito?

Não afirmo com isso que a obra de Machado de Assis merece ser defendida incondicionalmente. Hoje criou-se realmente um clichê cultural que diz que todos os que gostam de Machado de Assis são intelectuais. Talvez esta seja a melhor hora, portanto, para ler suas obras (especialmente seus livros considerados como obras-primas) exclusivamente com o objetivo de encontrar defeitos e criticá-los. Tal exercício faz bem a todo leitor. Se depois de tudo, a obra possuir mais qualidades que defeitos, certamente a valorizaremos muito mais do que se tivéssemos simplesmente seguido a opinião da maioria. Mas não acho razoável criticar "Dom Casmurro" usando como argumento o modo como foi feito: um livro que nunca é bastante claro. Em minha opinião, o Millôr erra ao fazer isso (e também erra ao afirmar que não existe hoje crítica literária), dando a entender que a obra é menor justamente por não ser tão clara, pelo autor ter se 'escondido'. Para mim vejo justamente o contrário, estas interpretações possíveis enriquecem a obra. São sombras melhores do que os fatos que elas representam.
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