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24 maio 2005

Literatura Corporativista

Não consigo imaginar outra área onde exista tanto corporativismo como na literatura. O personagem mais comum da literatura é certamente o escritor. Se a proporção de escritores da literatura fosse a mesma na vida real, pelo menos o mundo seria mais culto. Mas, em compensação, seria um saco viver. Quase que invariavelmente todo escritor é um angustiado crônico. Não existem escritores casados, pais de lindos filhos, que escrevem numa boa durante o dia e à noite saem para tomar uma cerveja num barzinho próximo de casa. O mais comum na literatura é o escritor que luta para achar algum significado na sua vida inútil, como mais pontos de interrogação em suas vidas do que um questionário para solicitar financiamento. O grande problema da literatura na minha opinião é conseguir erradicar o número de escritores-personagens dos livros. Se conseguirmos isso, possivelmente os angustiados poderão pelo menos mudar de cara. Nunca vi, por exemplo, um frentista de posto de gasolina como personagem angustiado da literatura. Acho que, pelo menos pela surpresa da proposta, valeria a pena ler o livro.

Mas não pensem vocês que somente os 'Chico Buarques' da vida caem em tentação, parece que a proposta de escrever sobre as angústias do escritor é o pecado mais atraente da literatura. É tão difícil resistir a ele, que todos estão sujeitos a 'criar' mais um clone do personagem. Querem um exemplo? J.M. Coetzee, prêmio Nobel de Literatura em 2003. O mais recente livro do autor publicado por aqui chama-se "Juventude" e tem uma proposta interessante: deformar o chamado romance de formação. Assim, ao invés observarmos ações que moldam o personagem, vemos o tempo inteiro o personagem desejando ser moldado por eventos que nunca ocorrem. Isso o autor consegue fazer muito bem, criando um livro interessante sob este aspecto. Por outro lado, para tristeza de nós leitores, advinha quem aparece para nos fazer companhia? O terrível aspirante a escritor angustiado. O livro é cheio de pontos de interrogação e mostra um personagem que tenta se libertar e escrever algo relevante. O livro já começa com o aspirante a escritor, um jovem de dezenove anos, longe da casa dos pais e trabalhando para ganhar algum dinheiro, conseguindo assim uma vida independente. Está liberto, portanto, de uma de suas amarras. Se envolve com uma linda amante mais velha e a vida com ela é um saco (não estranhem, parece que eu também já li um monte de livros assim). De tanto tédio na vida dele, ela acaba abandonando-o e ele (claro!) nem liga. Ele sai da África do Sul e vai morar em Londres, onde tem que trabalhar até tarde para poder se sustentar. Com isso, o cansaço o impede de avançar com seus planos de escrever bem e ele passa a questionar sua vida e seus objetivos. Apesar de tudo isso, o livro não é ruim, apenas é um livro comum, que não traz nada diferente à baila.

Um escritor que conseguiu um prêmio Nobel e dois Booker Prize não pode ser um escritor ruim, mas mesmo assim fico me perguntando porque alguém assim se dá ao trabalho de escrever algo que poderia ter sido escrito por qualquer outro escritor. Pessoalmente, só escreveria sobre escritores com o objetivo de parodiá-los, num livro que nunca seria levado à sério e que certamente não esperaria vê-lo em mais do que uma edição. Imaginar que um livro desses possa vingar e se tornar leitura obrigatória para várias gerações de leitoras é ter um pessimismo gigantesco. Como leitor quero ver algo novo, diferente e original. Escrever um livro que poderia ter sido escrito por qualquer um é assinar um atestado de falta de criatividade. É não crer que a literatura possa ir além disso. E como um bom otimista, creio piamente que a literatura pode ser mais do que um mero corporativismo.
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