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14 fevereiro 2005

A Difícil Arte de Descrever o Óbvio

Num desses vídeos sobre planejamento estratégico nas empresas, o autor explica que nós seres humanos quanto mais próximos estamos de algum problema, mais temos a tendência de não enxergar o óbvio. É o que se chama "paradigma", ou seja, criamos filtros mentais que descartam certas idéias. Embora na maioria das vezes isso é algo positivo, em alguns casos, pode ser bem prejudial. Como uma mosca que bate insistentemente no vidro de uma janela e não consegue chegar ao outro lado por não se afastar dela e percebê-la aberta, nós às vezes tendemos imaginar mil e uma explicações absurdas para um fato simples. Lembrei-me disso ao ler "Pnin" de Vladimir Nabokov.

A história é bem simples: um professor universitário russo e ingênuo que não consegue entender o país em que vive, os Estados Unidos. Nabokov, além do talento, tem propriedade para tratar do assunto, já que a situação que ele próprio viveu é semelhante a de seu personagem. A história é bem simples e o sarcasmo utilizado por Nabokov é de gênio. Desde o início, Nabokov mostra um personagem perdido, sem completo domínio do idioma e da cultura do país em que vive. Através dos olhos do professor Pnin, vemos as diferenças e paradoxos da antiga Rússia comunista e o "american way of life".

O grande mérito do livro é sua simplicidade. Nabokov nunca cai na armadilha mais comum neste tipo de tema e ao invés de transformar a história num blábláblá crítico dos costumes americanos (que hoje está bem na moda), faz suas observações de modo sagaz, mas distante. Percebe o óbvio e pronto. Quem quiser partir daí e desenvolver suas idéias, que o faça, mas Nabokov não quer nenhuma responsabilidade nisso. É como um vigia que simplesmente dá o aviso da calamidade. Nabokov não poupa nem mesmo o personagem principal: suas relações com as pessoas que o cercam é sempre de estranheza. O único que consegue alguma proximidade é seu próprio filho, que parece uma versão americana do professor Pnin.

O recurso de narração utilizado por Nabokov realça bem sua disposição em ser imparcial. A história toda é narrada por um conhecido do professor Pnin, que no começo do livro está bem escondido e que somente na parte final se aproxima por explicitar sua relação com o professor Pnin. Pode-se destacar também em sua narrativa, o formato em espiral da história: ao final, o narrador nos remete novamente ao começo, tornando o livro todo um eterno círculo, semelhante ao que faz Érico Veríssimo em "O Tempo e o Vento". Enfim, um livro leve e que vale a pena.
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