Filosofia na Literatura
O século XX destacou um bom número de romances que serviram para exemplificar e divulgar idéias de filósofos. Se é muito complicado misturar posições políticas, protestos ou denúncias com uma história de ficção de um romance, que dirá filosofia. Com a aproximação dos dois, muitos romances extremamente chatos foram aclamados como obras-primas simplesmente pelo fato de que a filosofia ali existente era boa. Desconfio que mesmo muitos filósofos, tiveram que ler alguns desses romances à força, para entenderem melhor trabalhos realmente filosóficos de outros. Daí, o romance que antes era só uma forma de expressão artística se tornou fonte de argumentos para debates filosóficos. Consequentemente, hoje um grande número desses filósofos se metem a malhar todo mundo, dizendo que para apreciar este ou aquele livro devem primeiro estudar a obra filosófica do autor.
O caso mais típico é Jean-Paul Sartre. Nunca consegui acabar de ler nenhum de seus romances. No início do meu curso superior tinha algum contato com vários alunos e alunas de psicologia, pois o curso era ministrado no mesmo prédio que o meu. A opinião era unânime: "A Náusea" era um dos livros mais fabulosos já escritos. De tanto falarem em meu ouvido, resolvi entrar na fila de espera pelo livro na biblioteca - que era composta somente de alunos de psicologia - apesar de não cursar psicologia. Passadas duas semanas, o livro chegou até minhas mãos. Comecei a lê-lo atento aos detalhes e procurando entrar no 'clima'. Aguardei com alguma paciência o desenvolver da história, mas algo em especial me irritava um pouco: a sensação de que Sartre não estava nem aí para a literatura. Sartre parece-se com aquelas pessoas que entram no seu carro comendo e não estão nem aí por sujar tudo ao redor. Seu texto também parece bem 'sujo': introspecção demais do personagem onde não deve, quebrando o ritmo da narrativa, e filosofia de menos onde parecia ser adequado. Usando uma linguagem do cinema, a sensação é que a montagem não foi feita adequadamente. Lá pelo meio abandonei o livro e a justificativa que me deram foi que eu precisava ser um pouco melhor 'iniciado' na obra de Sartre. Como a obra faz parte de uma tetralogia ("Os Caminhos da Liberdade"), deveria ler primeiro "A Idade da Razão" para compreendê-lo melhor. Passei um bom tempo com uma má impressão, mas por fim resolvi dar uma segunda chance ao autor. Devia ter desconfiado anteriormente que o problema de "A Náusea" não era o personagem Roquentin e sua alienação, era o autor e sua forma de espalhar filosofia durante o romance. Como no caso anterior, "A Idade da Razão" foi abandonado.
Por essa época também, descobri Albert Camus. Diferente da leitura das obras de Sartre, resolvi conhecer o autor através de uma obra de filosofia, ao invés de ler primeiramente seus trabalhos literários. Li "O Homem Revoltado" e gostei bastante. Fiquei fortemente admirado pela forma como o autor começava o livro de modo bem acessível e, à medida que as páginas avançavam, ia elevando seu raciocínio. Imaginei que suas obra literárias seriam de fato melhores que as de Sartre. Li "O Estrangeiro", que apesar de não ter visto nada de tão especial, também não achei ruim, tanto que consegui lê-lo até o fim. Mas "A Peste" é um grande livro. O romance começa de um modo bastante envolvente, com os personagens tranqüilamente observando a morte dos ratos por toda cidade. O meio é uma obra-prima, o autor ao mesmo tempo que vai nos mostrando como a epidemia vai influenciando a todos individualmente, também cria um mosaico coletivo, mostrando seres humanos que estão coletivamente isolados, por não poderem sair dos limites da cidade. Vontades individuais são colocadas ao lado das responsabilidades coletivas, até atingir o ápice, quando um dos personagens, tendo a oportunidade de furar o bloqueio e abandonar tudo, resolve ficar e continuar encarando aquela terrível situação, tal qual um pecador em seu purgatório. Por tudo isso, acho que esta é, sem dúvida, a obra-prima de Camus.
Acredito que um cuidado especial deve haver antes de apanhar qualquer obra famosa por sua filosofia. O leitor deve-se perguntar o quê realmente vai levar em conta ao ler a obra. Se espera ler as obras literárias de Sartre para encontrar ali filosofia, tudo bem, vá em frente. Acredito que nesses casos, o leitor será muito mais benevolente do que eu fui. Agora, se o leitor espera encontra literatura e filosofia misturados na dose certa, não acredito que as obras de Sartre serão satisfatórias. Camus consegue isso de forma muito mais eficiente.
O caso mais típico é Jean-Paul Sartre. Nunca consegui acabar de ler nenhum de seus romances. No início do meu curso superior tinha algum contato com vários alunos e alunas de psicologia, pois o curso era ministrado no mesmo prédio que o meu. A opinião era unânime: "A Náusea" era um dos livros mais fabulosos já escritos. De tanto falarem em meu ouvido, resolvi entrar na fila de espera pelo livro na biblioteca - que era composta somente de alunos de psicologia - apesar de não cursar psicologia. Passadas duas semanas, o livro chegou até minhas mãos. Comecei a lê-lo atento aos detalhes e procurando entrar no 'clima'. Aguardei com alguma paciência o desenvolver da história, mas algo em especial me irritava um pouco: a sensação de que Sartre não estava nem aí para a literatura. Sartre parece-se com aquelas pessoas que entram no seu carro comendo e não estão nem aí por sujar tudo ao redor. Seu texto também parece bem 'sujo': introspecção demais do personagem onde não deve, quebrando o ritmo da narrativa, e filosofia de menos onde parecia ser adequado. Usando uma linguagem do cinema, a sensação é que a montagem não foi feita adequadamente. Lá pelo meio abandonei o livro e a justificativa que me deram foi que eu precisava ser um pouco melhor 'iniciado' na obra de Sartre. Como a obra faz parte de uma tetralogia ("Os Caminhos da Liberdade"), deveria ler primeiro "A Idade da Razão" para compreendê-lo melhor. Passei um bom tempo com uma má impressão, mas por fim resolvi dar uma segunda chance ao autor. Devia ter desconfiado anteriormente que o problema de "A Náusea" não era o personagem Roquentin e sua alienação, era o autor e sua forma de espalhar filosofia durante o romance. Como no caso anterior, "A Idade da Razão" foi abandonado.
Por essa época também, descobri Albert Camus. Diferente da leitura das obras de Sartre, resolvi conhecer o autor através de uma obra de filosofia, ao invés de ler primeiramente seus trabalhos literários. Li "O Homem Revoltado" e gostei bastante. Fiquei fortemente admirado pela forma como o autor começava o livro de modo bem acessível e, à medida que as páginas avançavam, ia elevando seu raciocínio. Imaginei que suas obra literárias seriam de fato melhores que as de Sartre. Li "O Estrangeiro", que apesar de não ter visto nada de tão especial, também não achei ruim, tanto que consegui lê-lo até o fim. Mas "A Peste" é um grande livro. O romance começa de um modo bastante envolvente, com os personagens tranqüilamente observando a morte dos ratos por toda cidade. O meio é uma obra-prima, o autor ao mesmo tempo que vai nos mostrando como a epidemia vai influenciando a todos individualmente, também cria um mosaico coletivo, mostrando seres humanos que estão coletivamente isolados, por não poderem sair dos limites da cidade. Vontades individuais são colocadas ao lado das responsabilidades coletivas, até atingir o ápice, quando um dos personagens, tendo a oportunidade de furar o bloqueio e abandonar tudo, resolve ficar e continuar encarando aquela terrível situação, tal qual um pecador em seu purgatório. Por tudo isso, acho que esta é, sem dúvida, a obra-prima de Camus.
Acredito que um cuidado especial deve haver antes de apanhar qualquer obra famosa por sua filosofia. O leitor deve-se perguntar o quê realmente vai levar em conta ao ler a obra. Se espera ler as obras literárias de Sartre para encontrar ali filosofia, tudo bem, vá em frente. Acredito que nesses casos, o leitor será muito mais benevolente do que eu fui. Agora, se o leitor espera encontra literatura e filosofia misturados na dose certa, não acredito que as obras de Sartre serão satisfatórias. Camus consegue isso de forma muito mais eficiente.
<< Home