Uma das coisas mais chatas dos nossos tempos, onde o politicamente correto deve sempre prevalecer, é a incapacidade das pessoas de expressar seus julgamentos. "Não estou aqui para julgar ninguém" é dos clichês mais absurdos e hipócritas que inventaram. Ninguém aplica de verdade estas palavras, somos juízes o tempo todo, embora nem sempre assim o parece. Através da imagem que temos de uma pessoa, imediatamente rotulamos sua personalidade. Feia ou bonita, chata ou divertida, inteligente ou boçal, adotamos quase que instantamente uma impressão com base em julgamentos que fazemos a todo momento. Mas há sempre um da turma do politicamente correto que insiste em nos ensinar que não devemos julgar pois temos (sic) "telhado de vidro".
A mania do politicamente correto parece que tomou conta das resenhas e críticas que lemos. Dum modo geral, quase sempre o autor está interessado em procurar algo de bom numa obra. O resultado beira ao ridículo em certas ocasiões, onde o resenhista ou crítico dá tratamento de clássico à qualquer historieta, com o objetivo de tornar a crítica negativa menos, digamos, negativa. Quem não se lembra dos artigos nos jornais sobre "O Código da Vinci", onde os autores faziam análises psicológicas, históricas ou religiosas, como se Dan Brown tivesse revolucionado alguma coisa com seu best-seller? Isso soa tão ridículo como alguém procurar traços de neuroses humanas na história dos três porquinhos. Parece, portanto, que se tornou uma premissa utilizar na resenha ou crítica um tom de seriedade, mesmo se tratando de algo que não deve ser levado à sério. Assim, quem sabe, se o autor quiser reclamar, ele se sentirá intimidado, pois a crítica foi feita por um 'estudioso' do assunto.
Acredito que parte da responsabilidade disso cabe também ao leitor brasileiro intelectualmente deficiente que trata o livro como um objeto superior, um símbolo da sabedoria. Ah se existissem mais leitores para encarar o livro como um punhado de papéis cheios de letras! Quem sabe assim o crítico não sentiria um pouco de vergonha de usar a palavra 'leitmotiv' a toda hora nos seus ensaios? Estes são aqueles leitores que se sentem bem em 'se manterem informados' sobre qualquer coisa, mesmo que sobre lixo cultural. E como prova de que não dão nenhum valor ao seu bem mais precioso, o tempo, rechaçam qualquer crítica dizendo que 'antes perder tempo lendo isso que na televisão', como se o tempo perdido com uma leitura ruim fosse de algum modo proveitoso. Criam essa tendência de dizer que há algo proveitoso em tudo e que isso deve ser levado em conta.
O pior é que esse revestimento feito em nome do politicamente correto não somente esconde, mas também engana. Por exemplo, digamos que uma crítica vá falar de um livro que faz uma sátira do nosso país. Daí, depois de fazer o leitor entender que o livro é ruim - com toda aquela pompa de autoridade -, o autor da crítica resolve ressaltar que apesar disso o livro faz uma 'crítica impiedosa' do nosso país (nesses casos, a crítica é sempre 'impiedosa'), fazendo o leitor acreditar que nem tudo pode ser jogado fora e que o autor, portanto, não é de todo ruim. O que o autor da resenha quer dizer, no entanto, é que o livro não é de todo ruim, afinal ele faz exatamente aquilo que se propõe. Ruim seria se o autor quisesse fazer uma sátira do país mas ao invés disso falasse de tábuas de passar roupa. Ou seja, a crítica vai até o ridículo de elogiar um livro por fazer exatamente aquilo que se espera dele. E o pior é que muitos leitores caem no engodo.
Para evitar cair na armadilha, faça o seguinte teste: antes de começar a ler qualquer crítica de jornais e revistas, passe o olho pelo texto à procura da palavra 'autor'. Se junto à palavra encontrar verbos como 'perder', 'exagerar' ou 'abusar' fique atento, pode ser um texto politicamente correto. Para comprovar, procure expressões como 'embora', 'apesar disso' e 'ainda que'. Se encontrá-las, fuja do texto! Provavelmente você estará diante de uma crítica contaminado pelo politicamente correto que não irá ajudá-lo em nada.