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28 fevereiro 2005

A Colméia

Poucas pessoas que conheço leram "A Colméia", de Camilo José Cela. Janer Cristaldo, tradutor das obras "A Família de Pascual Duarte" e "Mazurca para dois Mortos", também de Cela, citou o fato de Cela ter sido soldado de Franco, talvez daí o desinteresse. Percebo outro ponto: nem sempre é fácil enxergar o quanto a obra é magnífica. Certos livros tem essa capacidade de serem vistos por muitos e enxergados por poucos. Por desconhecimento, a obra é constantemente simplificada e daí deixada de lado.

Pense o seguinte: o que faz um livro qualquer ser considerado bom? Para muitos, os personagens devem ser marcantes, para outros a história deve chamar a atenção, enquanto outros preferem ver um texto escrito num estilo diferente e criativo. Agora veja como é o livro: são vários personagens, a trama não tem uma história, mas sim vários pedaços de pequenas histórias, formando um mosaico para nos mostrar Madri após a Guerra Civil Espanhola. Também o estilo, embora criativo - aliás é impressionante a capacidade de criação linguística de Cela - não é daqueles que chamam atenção a ponto de se sobrepor às histórias. Reúna todos esses elementos e perceba que a probabilidade de se ter um livro ruim é muito grande. Mas mesmo com tudo contra, Cela conseguiu escrever uma obra-prima. Algumas pessoas param, lêem contracapas, folheiam algumas páginas, não sentem grande atração pela propaganda do livro e acabam levando outro.

Cela, para quem não conhece, tem uma prosa excepcional. A obra retrata uma época em que a Espanha vivia praticamente à margem dos acontecimentos mundiais, por causa dos seus próprios problemas. O pós guerra e as dificuldades causadas pela pobreza transformam os seres humanos, que lutam para sobreviver apesar da vida difícil. Mas lendo as contracapas, parece que o livro é só uma coletânea de histórias simples, sem qualquer sentido, onde o dia transcorre de forma comum, sem princípio ou fim. Aquele que não procura outras fontes para se informar, acaba perdendo a oportunidade de conhecer o belo livro.

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25 fevereiro 2005

Venda Casada

Já postei aqui a dica sobre o Pulsão Negativa do Nemo Nox, com o objetivo de comentar o livro "Bartleby e Companhia" de Enrique Vila-Matas. Não conheço ainda o autor e já estava procurando lê-lo e o blog do Nemo Nox me deu um incentivo ainda maior. Só tem um problema: a obra de Enrique Vila-Matas é no esquema venda casada. Você até pode tirar algum proveito do livro, mas seria muito mais interessante se você lesse antes "Bartleby, O Escriturário" de Herman Melville. Como eu ainda não li o Bartleby de Melville, o trabalho dobra e já que a agenda está apertada, cria-se uma desculpa para deixar a leitura para mais tarde.

Em outra ocasião ocorreu algo semelhante. Estava com "A Morte de Virgilio" de Hermann Broch para ler, mas não havia lido a "Eneida" de Virgilio. Sabia que perderia muitas das referências, mas por diversas razões não queria ler a "Eneida". Resolvi fazer a leitura do livro de Hermann Broch e de vez em quando folheava a "Eneida" para compensar a minha falta de conhecimento. No fim da primeira parte do livro de Broch resolvi parar, pois senti que boa parte da obra envolvia um conhecimento prévio do personagem principal e sua obra-prima. Poderia continuar e ir até o fim, mas aí o livro era outro. Infelizmente até hoje não li a "Eneida" e, portanto, até hoje o livro continua me esperando.

Notem que o caso não era de que existem elementos imprescindíveis numa obra que me impedem de compreender a outra. A linguagem poética utilizada em "A Morte de Virgilio" é impressionante para qualquer leitor, mesmo para os que não conhecem a "Eneida". No entanto, grande parte da 'graça' ao ler a obra está em relacionar ficção e realidade. A história de ficção dos últimos dias do poeta Virgilio e sua visão sobre sua obra-prima a "Eneida", misturando trechos da obra com a história. Se você não sabe que esses elementos estão misturados, você vê apenas um lado, apenas parte do que a obra quer mostrar.

O assunto do livro "Bartleby e Companhia" parece muito interessante. O autor Enrique Vila-Matas, segundo comentários que ouvi, parece ser talentoso. Mas, lê-lo sem antes ler o livro do Melville é concordar em perder parte do sentido da obra.

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24 fevereiro 2005

O Problema

Depois da leitura de "A Tapas e Pontapés", de Diogo Mainardi é que você descobre qual é o problema: Mainardi está na mídia errada. Seus textos deveriam ser escritos num blog com caixa de comentários. Hoje a redação da "Veja" fica entupida de cartas contra o cara, mas um assunto não vai além do que está escrito na coluna. Aí, quando os leitores metem o pau nele, é como bater em bêbado. Uma idéia que não concordamos não faz necessariamente o cara ser ruim ou bom, depende da forma como o autor a expõe e como ele a defende depois. Daí, mesmo não concordando, identificamos se o cara é inteligente ou estúpido. Enquanto o Mainardi não for um blogueiro e enquanto ele não abrir uma caixa de comentários para esgotar os assuntos da sua coluna, ele será sempre uma promessa de inteligência ou estupidez.

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A Vida Intelectualóide Como Ela É

O que eu ando ouvindo por aí:
"Aquela mulher que escreveu Vidas Secas, sabe?"
De uma menina com camisa de colégio, numa discussão com seus colegas num ônibus.

"Roberto DaMatta não é aquele cara que ganhou a São Silvestre?"
De um vendedor de uma rede de livrarias a um cliente que procurava o título "Carnavais, Malandros e Heróis".

"De que autor?"
Também um vendedor a um cliente que procurava por "Dom Casmurro".

"Os Bom da Boca"
Expressão digitada no computador, por outro vendedor, quando perguntei se eles tinham algum exemplar de "Os Buddenbrooks", de Thomas Mann.

"Móbi Dique? Soletra pra mim..."
Também um vendedor a um cliente.

E a melhor de todas:
"Ih, agora você me apertou!"
Do mesmo cliente em resposta ao pedido acima.

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23 fevereiro 2005

Leitores e seus Hábitos Estranhos II - Os Vigilantes dos Sebos

Os alfarrábios, carinhosamente apelidados no Brasil de "sebos", são os lugares mais frequentados pelo leitor voraz. O efeito de uma visita a um sebo é semelhante ao efeito causado por uma visita de sua esposa a um shopping qualquer. Psicologicamente o leitor é aliviado de suas tensões do dia a dia. Economicamente, ele é afligido por uma conta corrente cada vez mais pobre e uma fatura de cartão de crédito cada vez mais alta. Mas ele sempre justifica seus atos de aparente loucura com descrições mirabolantes de aquisições raras. "Este aqui eu procurei durante anos" ou "Por este preço eu não conseguiria encontrar em lugar nenhum" são as respostas prontas já formuladas pelo seu cérebro para justificar os constantes problemas econômicos.

Numa simplificação rasteira, o frequentador de sebos é um comprador compulsivo. Analisando de uma forma mais detalhada, porém, podemos dizer que ele é o cruzamento de um caça-talentos com um arqueólogo. Um headhunter literário. Afinal, é necessário saber não só que obras são importantes e que obras são lixo, mas também que valor pagar por cada uma para sair no lucro. Além disso, é preciso muita disposição e peregrinação para desenterrar uma obra valiosa de uma pilha de livros, ácaros e pó. Quando o sebo monta uma "banquinha" de ofertas a procura beira à baixaria. O vigilante profissional chafurda tudo e é capaz de lutar 12 rounds atrás de um Balzac escondido entre as traças.

Os mais profissionais já têm um mapa mental de sebos a percorrer. Ao tentar encontrar alguma obra, sabe exatamente em qual deles procurar e já supõem que preço irá pagar. Por suas freqüentes visitas, o vigilante muitas vezes se torna amigo do dono do sebo. Assim como o bêbado afoga suas mágoas num bar e conta suas angústias ao garçom, o vigilante, nos seus momentos de desespero, confidencia suas decepções ao atendente. Conta pela enésima vez sobre aquela primeira edição de "Corpo de Baile" que ele teve em suas mãos por uma ninharia e que nunca mais encontrou.

Quando a grana está curta, o vigilante de sebo não se entrega: visita-os assim mesmo. O duro é encontrar justamente aquilo que ele procura a anos e não ter dinheiro para levá-lo. Nestes casos, o vigilante abandona toda a ética e valores e aplica um dos mais sórdidos golpes-de-sebo: troca o livro de lugar, a fim de escondê-lo. Tal tática gera a paranóia-do-sebo: o vigilante vasculha até a última prateleira de ufologia para ter certeza de que o que procura não será achado naquele sebo.

Ver um vigilante com seu rosto transformado, falando sozinho, com um livro na mão, para muitos, é algo incompreensível. Os não-vigilantes não conseguem imaginar o que há de tão especial naquele livro caindo aos pedaços e fedorento. Não compreendem porque muitos trocam um livro novinho duma livraria por um livro velho, mas garimpado dum sebo. Vocês vigilantes que estão me lendo agora, sabem como esta sensação é maravilhosa.

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Mais uma Dica

A notícia li no Smart Shade e o artigo é da revista Cult: "As Mil e Uma Noites" traduzido direto do árabe. Ponto para a editora Globo.

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22 fevereiro 2005

Segunda Dica de Hoje

Na década de 70, a antiga revista Manchete publicou ensaios de nomes como Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Antônio Houaiss, Ruy Castro entre outros, focalizando obras-primas da literatura. Os ensaios são geniais e agora foram lançados em forma de livro (para a nossa alegria), cujo título é "As Obras-Primas que Poucos Leram", em dois volumes organizados por Heloisa Seixas. Foram publicados entre 1972 e 1977 mais de 200 ensaios e os dois volumes contêm 70 destes. Ao ler esses ensaios descobrimos como a crítica literária atual no Brasil está tão precária. Com exceção do caderno "Prosa e Verso" do jornal "O Globo" e da revista "Bravo!" (que desde que passou para o grupo Abril vem piorando mais e mais) pouco resta. Pode-se destacar dois ensaios fabulosos: no volume 1, o ensaio de Antônio Houaiss sobre "Ulisses", obra que ele traduziu, e o ensaio de Otto Maria Carpeaux sobre "Ficções" de Jorge Luis Borges, que está no volume 2. Leiam esses ensaios na livraria mesmo e vejam vocês mesmos se a dica é boa.

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Dica de Hoje

O Nemo Nox - o melhor blogueiro do mundo - abriu um blog sobre o livro "Bartleby e Companhia", de Enrique Vila-Matas. Ainda não li o livro mas fiquei super curioso e devo tentar lê-lo em breve (a agenda está cheia e a fila de leituras futuras continua a crescer). Acesse o Pulsão Negativa e veja como dá vontade de ler o livro!!!

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21 fevereiro 2005

Literatura de Etcétera

Ainda sobre Virginia Woolf, preciso admitir que não tenho grande afinidade com seus livros. Reconheço sua importância e reconheço seu talento, mas preciso estar "afinado" para ler suas obras. "Stream-of-consciousness" se não for lido na hora certa, vira literatura de etcétera. Você começa um parágrafo, lê três ou quatro palavras, esquece que está lendo um livro e o resto do parágrafo vira um longo etcétera. Isso se dá especialmente pelo uso de vários adjetivos em cada parágrafo, pelo grande número de interrupções de frases por vírgulas e pelo modo sempre comparativo de descrever algo. A palavra "como" é a campeã no romance "Mrs. Dalloway". Um exemplo desse modo de narrar o pensamento dos personagens é esse trecho abaixo:

How fresh, how calm, stiller than this of course, the air was in the early morning; like the flap of a wave; the kiss of a wave; chill and sharp and yet (for a girl of eighteen as she then was) solemn, feeling as she did, standing there at the open window, that something awful was about to happen; looking at the flowers, at the trees with the smoke winding off them and the rooks rising, falling;

Normalmente ao ler Virginia Woolf, preciso de duas coisas: concentração e tempo. Concentração porque num ambiente cheio de distrações, cada vírgula ou cada novo adjetivo para descrever algo é um trampolim para se desviar a atenção do livro e fixar a mente em alguma coisa que se vê ou ouve. Tempo porque sou uma pessoa muito distraída. Com isso, não sou de reparar em detalhes. Como o livro destaca bem detalhes do pensamento de cada personagem, é preciso mais atenção e consequentemente a leitura fica mais lenta.

Portanto, apesar de livros como "Mrs. Dalloway" terem poucas páginas (menos de 200) sua leitura não flui com a tranquilidade de outros romances do mesmo tamanho. Acredito que isso acontece comigo por minha dificuldade em valorizar detalhes, já que normalmente sou mais generalista e assim não os percebo. Mas já vi outros leitores dizerem o mesmo e não sei se o problema era esse. O fato é que para se tirar proveito de "Mrs. Dalloway" e do estilo de Virginia Woolf, é preciso que o leitor se informe e saiba de antemão o que quer extrair do romance. Feito isso, a probabilidade de se decepcionar com seu conteúdo é bem menor.

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18 fevereiro 2005

O Grande Agente Destruidor

Algo que realmente me fascina numa boa propaganda é a habilidade que o publicitário tem ao transmitir uma idéia através de outra completamente diferente. Eventualmente assistimos a algum bom comercial e durante os poucos segundos em que a propaganda é mostrada, ficamos com aquela incômoda pergunta: afinal, que produto eles estão anunciando? Ao final, ao juntarmos as idéias mostradas com o anúncio do produto tudo se encaixa perfeitamente. O produto vira um personagem implícito do comercial. Na literatura isso também acontece. Eventualmente somos levados por uma boa história e percebemos "personagens" implícitos que fazem encaixar idéias ou temas que o escritor propõe. Por exemplo, o tempo freqüentemente vira um personagem do romance.

No livro "To The Lighthouse" (no Brasil o título é traduzido por "Ao Farol", "Rumo ao Farol" ou "Passeio ao Farol") de Virgínia Woolf, em meio à história e aos personagens, perecebemos de forma nítida como a escritora faz questão de mostrar o tempo como um grande agente destruidor. São duas partes principais: na primeira programa-se um passeio a um farol próximo, que não ocorre, e na terceira (após a Primeira Guerra Mundial) o passeio se concretiza. A segunda parte conta de forma rápida o que ocorreu entre uma parte e outra. O estilo "stream-of-consciousness" que Virginia Woolf utiliza, valoriza muito essa idéia de o tempo degradar tudo. Na primeira parte há um clima de empolgação, especialmente ao se descrever os pensamentos do jovem James Ramsay, enquanto na terceira a sensação é que as coisas foram abandonadas, que tudo perdeu seu brilho.

Na leitura que fiz recentemente do romance "O Bosque das Ilusões Perdidas", de Alain Fournier, senti sensações similares de contraste entre a felicidade e a empolgação do passado com a tristeza e angústia do presente, que existe no livro de Virginia Woolf. O tempo novamente aparece como um personagem que transforma tudo para pior. A descrição do reencontro de Meaulnes e Yvonne é o clímax desse contraste. A medida que lemos as páginas do capítulos parece que sentimos o mesmo que Meaulnes: nada é como foi. O tempo passa, causa seu estrago e nunca as coisas serão como eram, sobra apenas nostalgia.

Nos dois romances, ocorre o mesmo: lemos as páginas, conhecemos os personagens, vemos os fatos se passarem, mas é o só quando percebemos que o tempo vira um personagem da obra que tudo se encaixa. Apesar da sensação ruim que essa percepção nos causa, somos influenciados a dar valor a este personagem. Vemos que todo o mal que o tempo causa não faz apagar tudo o que ocorre no presente. A vida segue. Bem ou mal, a vida segue. Em "To The Lighthouse", James Ramsay por um breve momento se vê mais próximo a seu pai. Em "O Bosque das Ilusões Perdidas", Meulnes retorna para encontrar sua filha. Em resumo, por mais degradante que possa parecer o presente em comparação ao passado, tudo sempre nos faz olhar para frente e seguir.

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17 fevereiro 2005

OuLiPo ou é só isso?

O OuLiPo, no meu entender, é sinônimo de ócio. Só isso. Tudo bem um indivíduo querer produzir um texto seguindo o que pode ter o nome de "ordem" ou "limite" extremo, porém, dizer que um livro feito desse modo (num molde fixo) é fruto de um "insight de gênio" como muitos dizem, é bem discutível.

Georges Perec, escritor reconhecido como um gênio inventivo e membro do OuLiPo, conseguiu produzir um livro inteiro com o limite de escrevê-lo sem o "e". Perec criou um jogo divertdo, contudo, só ele brincou. No livro, Perec contou o sumiço de um indivíduo. Como no livro inteiro inexiste o "e", o vínculo entre um evento e outro é o que produz um efeito que distingue-o dum modo positivo dentre todos os outros escritores do OuLiPo. Só isso. O jogo consiste em produzir um livro com ordem e método, tendo um competidor escrevendo com um limite imposto. Ponto. Dizer que isso é bom, só porque o competidor conseguiu vencer o jogo é risível.

Com isso, proponho que os leitores reconsiderem certos pontos impostos. No meu entender, mesmo um mero blogueiro pode produzir um texto seguindo um método fixo e nem por isso o texto é bom. Escrever um belo texto independe disso. Escrever bem é um dom. Costumo dizer que compreender o que é um texto bem escrito é o primeiro requisito com o objetivo de se reconhecer um livro bem escrito.

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14 fevereiro 2005

A Difícil Arte de Descrever o Óbvio

Num desses vídeos sobre planejamento estratégico nas empresas, o autor explica que nós seres humanos quanto mais próximos estamos de algum problema, mais temos a tendência de não enxergar o óbvio. É o que se chama "paradigma", ou seja, criamos filtros mentais que descartam certas idéias. Embora na maioria das vezes isso é algo positivo, em alguns casos, pode ser bem prejudial. Como uma mosca que bate insistentemente no vidro de uma janela e não consegue chegar ao outro lado por não se afastar dela e percebê-la aberta, nós às vezes tendemos imaginar mil e uma explicações absurdas para um fato simples. Lembrei-me disso ao ler "Pnin" de Vladimir Nabokov.

A história é bem simples: um professor universitário russo e ingênuo que não consegue entender o país em que vive, os Estados Unidos. Nabokov, além do talento, tem propriedade para tratar do assunto, já que a situação que ele próprio viveu é semelhante a de seu personagem. A história é bem simples e o sarcasmo utilizado por Nabokov é de gênio. Desde o início, Nabokov mostra um personagem perdido, sem completo domínio do idioma e da cultura do país em que vive. Através dos olhos do professor Pnin, vemos as diferenças e paradoxos da antiga Rússia comunista e o "american way of life".

O grande mérito do livro é sua simplicidade. Nabokov nunca cai na armadilha mais comum neste tipo de tema e ao invés de transformar a história num blábláblá crítico dos costumes americanos (que hoje está bem na moda), faz suas observações de modo sagaz, mas distante. Percebe o óbvio e pronto. Quem quiser partir daí e desenvolver suas idéias, que o faça, mas Nabokov não quer nenhuma responsabilidade nisso. É como um vigia que simplesmente dá o aviso da calamidade. Nabokov não poupa nem mesmo o personagem principal: suas relações com as pessoas que o cercam é sempre de estranheza. O único que consegue alguma proximidade é seu próprio filho, que parece uma versão americana do professor Pnin.

O recurso de narração utilizado por Nabokov realça bem sua disposição em ser imparcial. A história toda é narrada por um conhecido do professor Pnin, que no começo do livro está bem escondido e que somente na parte final se aproxima por explicitar sua relação com o professor Pnin. Pode-se destacar também em sua narrativa, o formato em espiral da história: ao final, o narrador nos remete novamente ao começo, tornando o livro todo um eterno círculo, semelhante ao que faz Érico Veríssimo em "O Tempo e o Vento". Enfim, um livro leve e que vale a pena.

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11 fevereiro 2005

A Licença Poética do Tradutor

Não é implicância. Conforme já disse em outro post, uma tradução tem sim suas vantagens. Mas o que eu fico em dúvida é o que dá na cabeça de uma editora em lançar uma grande obra com um título completamente diferente do original? Embora possam existir razões válidas, nunca vi um caso em que isso ocorre. Por exemplo, "Le Grand Meaulnes" em português virou "O Bosque das Ilusões Perdidas". Quem será que teve a genial idéia de "traduzir" o título da obra para algo completamente diferente do que o autor colocou originalmente? Imagino a reunião para decidir o título: o sujeito do marketing dizendo que "O Grande Meaulnes" não ia soar tão bem a primeira vista e que o título deveria ser algo mais comercial. Um ativista aposentado de alguma corrente literária saca logo da manga algo extremamente pomposo, talvez um "A Desilusão Evanescente da Realidade" e um dá um palpite de cá, outro dá um outro palpite de lá e ao final o título vira "O Bosque das Ilusões Perdidas". Pronto. Só o cara que confecciona as capas é que fica pê da vida porque o título ficou grande demais e ele vai ter que apresentar um novo projeto.

A provável explicação para as tão freqüentes licenças poéticas na tradução de títulos, além do fator comercial, pode ser a escassez de leitores do português que sabem qual é o título original da obra e por isso o que a editora inventar não fará diferença. Numa ocasião, encontrei uma referência à obra "Speak, Memory" de Vladimir Nabokov, num artigo escrito em inglês. Fui até o site da editora "Companhia das Letras" para conferir se ela constava no catálogo. Não encontrei. Algum tempo depois, numa livraria folheando um livro do Nabokov, que aparentemente não conhecia, descobri que se tratava justamente de "Speak, Memory". O título se transformou em "A Pessoa em Questão". Simples não é? É como se a editora dissesse: "Bom, como ninguém lê Nabokov nesse país e ninguém nunca ouviu falar em 'Speak, Memory' vamos dar um retoque para que fique mais chamativo."

Em outros casos, a obra já foi traduzida em Portugal. Com isso, o tradutor brasileiro "pega carona" na idéia do outro tradutor e deixa o título como está. Mas com "Speak, Memory" nem isso ocorre. Em Portugal, o título é "Na Outra Margem da Memória". Diferente, mas pelo menos temos uma dica pelo título que se trata da mesma obra. Aliás, as diferenças de tradução do português falado no Brasil e do português falado em Portugal daria assunto para mais um post (já ri muito de confusões, como "chapeuzinho" e "capuchinho" da história infantil, que fazem brasileiros e portugueses não entenderem muito sobre o quê se fala).

Felizmente, o mercado editorial ainda não é dos piores. Na indústria do cinema, os casos já ultrapassaram qualquer limite razoável. Em alguns casos, temos até a surpresa de encontrar o título de um livro sem tradução. O tradutor sabia que nada poderia substituir o impacto do título original, ou talvez comercialmente é melhor simplesmente deixar o título no idioma original. Em outros casos, a tradução é posteriormente melhorada, permitindo uma aproximação com a idéia que o autor quis trazer à tona no título. Foi assim com "Os Possessos", de Dostoiévski, que a "Editora 34" relançou com o título agora traduzido diretamente do russo: "Os Demônios". Isso pode ser um indicativo que nem tudo está perdido.

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10 fevereiro 2005

Voltamos à Nossa Programação Normal

Fim de viagem, retorno às atividades regulares deste blog. Com alguns problemas a serem resolvidos, mas não há de ser nada. Falo mais tarde de "Pnin" de Vladimir Nabokov, que achei muito bom. De última hora também, saiu da mala "Mrs. Dalloway" e entrou "O Bosque das Ilusões Perdidas" de Alain Fournier. Não acabei de lê-lo ainda, mas vou gostando.

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04 fevereiro 2005

Mala de Viagem

Está na mala para a viagem de carnaval: "Pnin" do Vladimir Nabokov, "Mrs. Dalloway" da Virginia Woolf, "O Homem Sem Qualidades" do Robert Musil e "Laços de Família" da Clarice Lispector. Droga! vou ter que deixar para trás algumas roupas, a mala é pequena.

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03 fevereiro 2005

Grandes Obras - parte I

Bom já que o tema desse blog é a odisséia, por que não iniciar uma série de comentários sobre grandes obras justamente por ela? Postarei aqui informações sobre grandes obras que influenciaram e influenciam toda a humanidade. Ou talvez nem tanto. Enfim, pretendo colocar aqui comentários de obras que aprecio, sem qualquer ordem de importância. Pronto.

A Odisséia
O Que é?
"A Odisséia" foi escrita provavelmente entre 750 e 650 A.C. A obra é um poema épico sobre os caminhos do herói grego Odisseu ou Ulisses após a Guerra de Tróia. Sua influência na literatura é inquestionável. Basta notar que o tema primário da obra (o desejo de retornar a um lar) é abordado também em obras tais como "O Mágico de Oz" e "Ulisses". Muitos afirmam que a obra é resultado de múltiplos autores e outros, ao contrário, dizem que ela foi escrita por um único autor, Homero. Uma outra teoria procura ligar os dois pontos de vista, ao afirmar que na verdade Homero escreveu as diversas histórias que ouvia, aglutinando tudo em um grande poema. Como os eventos se passam após a Guerra de Tróia recomenda-se a leitura e compreensão de "A Ilíada", também de Homero. Embora o foco principal da narrativa seja Odisseu e sua volta para casa, outros personagens são marcantes como Telêmaco, filho de Odisseu, e a fiel esposa Penélope.

Por Que Ler?
Pela idade você deve ter notado que "A Odisséia" se tornou um texto atemporal. Os mitos constituem um degrau do pensamento humano para tentar explicar o mundo. Como a mitologia grega influenciou toda a cultural ocidental é de supor que os personagens da obra também influenciaram a construção de personagens da literatura moderna. Especialmente a figura do herói e sua viagem de descobrimento são constantemente observados no mundo literário. Portanto, ao ler qualquer obra de ficção na literatura tenha em mente "A Odisséia" e seus personagens.

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02 fevereiro 2005

A História de Outro Homem Mau

Quando estava escrevendo o post anterior sobre o personagem Svidrigáilov de Dostoiévski, lembrei-me logo de um outro personagem também mau: Tom Buchanan, de F. S. Fitzgerald. Em "O Grande Gatsby", Fitzgerald cria um personagem com alguns pontos em comum com o personagem de Dostoiévski. Em primeiro lugar, ambos são inconseqüentes. Svidrigáilov é um personagem totalmente apartado de qualquer sentimento nobre. Na obra de Fitzgerald, o persongem é descrito como um homem fisicamente forte e psicologicamente manipulador. Apesar de serem dois países completamente opostos e duas épocas completamente diferentes, os dois personagens se aproximam muito ao não se imaginarem respondendo por qualquer ato.

Outro ponto interessante é a forma como ambos os personagens tratam as mulheres que encontram pelo caminho. Svidrigáilov é um tremendo deflorador-picareta, com uma predileção por meninas. Para ele, as mulheres só servem para o consumo. No caso de Buchanan, seu modo manipulador de tratar as mulheres que permeiam sua vida e a falta de importância que elas têm (quem disser que Dayse tinha alguma importância para ele vai ter que provar o por quê) somente amplia ainda mais sua personalidade arrogante e narcisista.

Agora o ponto que mais me chama a atenção nos dois personagens é a aparente indiferença de ambos diante da morte. Svidrigáilov se suicida de uma forma muito racional: é uma escolha como qualquer outra. Similarmente, Tom Buchanan escolhe manipular a situação para levar à morte Jay Gatsby. Escolhe a morte também da forma mais natural possível. Depois dela, a vida segue e tudo tende a voltar ao normal. A naturalidade com que tudo é descrito no fim de "O Grande Gatsby" somente corrobora sua perversidade.

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01 fevereiro 2005

A História de um Homem Mau

Svidrigáilov é um dos meus personagens preferidos. Em "Crime e Castigo", Dostoiévski mostra-nos a maldade sobre vários aspectos, mas Svidrigáilov é "o" homem mau, daqueles que pegam criancinhas pra fazer mingau. Os capítulos 5 e 6 da sexta parte de "Crime e Castigo" são essenciais para se conhecer sua personalidade. Somente Raskolnikov é tratado com tanta intimidade durante o romance, mas em minha opinião nunca com a "classe" de Svidrigáilov. O capítulo 5 é um primor. Tenho uma versão de "Crime e Castigo" (da Nova Cultural, daquelas de banca) que não dá sequer a idéia do impacto que é a leitura no russo. Transcrevo o diálogo final da minha versão abaixo:

- Deixa-me! - disse Dúnia implorante. Svidrigáilov estremeceu; aquele "tu" foi pronunciado de maneira diferente do anterior.
- Então não me queres? - perguntou-lhe com medo. Dúnia moveu negativamente a cabeça.
- E... não poderás? Nunca? - balbuciou ele com desespero.
- Nunca! - murmurou Dúnia.


O problema para nós brasileiros e leitores do português é que sequer existe algum "tu" na frase, muito menos um "tu" diferente. Como gato escaldado tem medo da água fria, supus logo que havia alguma coisa de errado com a tradução ou havia algum sentido oculto no russo original, que no português não se consegue transmitir. Não há nenhuma nota, mas pelo restante do romance dá para perceber que alguma coisa realmente muito importante estava contida neste trecho.

Procurei saber e descobri o que era: no russo existem duas formas de pronome possessivo, semelhante ao português que possui "tu" e "você". Geralmente se usa uma das formas, uma forma "comum" ou "geral" e esta foi utilizada durante todo o capítulo. No entanto, exatamente neste ponto, a forma de tratamento muda. A outra forma de tratamento é utilizada somente com familiares e amigos íntimos. Por isso, o efeito da mudança no russo causa um impacto que no português é impossível, sugerindo uma relação íntima entre os dois e criando assim uma ambigüidade incrível. Dúnia está dizendo um "não", mas está sugerindo um "sim". Esse frase transforma a personagem numa das mais intrigantes e misteriosas do romance. Sugere assim que ela seria uma espécie de redentora (mais uma vez a imagem religiosa aparece e Dúnia seria como Cristo) e Svidrigailov não conseguiria escapar de uma redenção.

Aí é que o verdadeiro cara mau se concretiza: entre Svidrigáilov se converter e se redimir ou ele meter uma bala na cabeça, ele escolhe a última opção. Como que num espelho, Svidrigáilov se vê capaz de desenvolver sentimentos nobres, mas ele se recusa. O que motiva os atos de Svidrigáilov não são atos nobres, ele é um anti-Midas que faz perder a inocência de tudo o que toca, assim recusa uma purificação. E não é só isso, ele sente medo de que Dúnia possa purificá-lo e daí se mata. Portanto, ele não é só um homem mau - ele é o homem mau que se recusa a pagar seus pecados. O homem mau, mau por si só, sem qualquer motivação para a redenção. Quando Dostoiévski põe uma bala na cabeça de Svidrigailov, ele transforma o personagem no "cara mais mau" que pode existir.
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