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31 março 2005

As Melhores Introduções da Literatura Brasileira

Entre o início e o fim de um livro muita coisa acontece. Em alguns casos, começamos a ler um livro que parece desinteressante e aos poucos aquele livro vai nos cativando, até que ao final tentamos ler o mais devagar possível a fim de que o livro não acabe. Mérito para esses grandes livros. No entanto, existem aqueles que são grandes de outra maneira. Às vezes pegamos um livro que acreditamos que vai ser uma boa leitura e logo de cara somos surpreendidos de forma muito positiva. Às vezes, somente a introdução da obra já é uma mini obra-prima. Parágrafos que parecem ter sido escritos com uma genialidade próxima da perfeição. Lógico que começar a ler uma obra com uma introdução excelente é muito mais envolvente e gostoso.

O exemplo clássico para mim é o livro "O Ateneu", de Raul Pompéia. O histórico da ocasião é o seguinte: estava cursando o ensino médio e a professora de literatura (aliás uma das responsáveis pela paixão que tenho pela literatura) recomendou a leitura da obra. Haveria posteriormente uma prova então surgiu aquela obrigação de leitura. Com expectativas muito baixas, apanhei a obra e iniciei a leitura torcendo o nariz. O segundo parágrafo está praticamente tatuado dentro do meu coração, como um dos parágrafos mais bem escritos da literatura brasileira. Depois dele (que li e reli várias vezes) li o livro todo numa sentada e terminei o livro fascinado. Observem:

Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura ao crepúsculo — a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.

A obra despertou em mim a curiosidade de buscar mais informações a respeito do autor e fiquei profundamente impressionado com sua biografia: tinha um temperamento explosivo que despertou grandes inimizades e bate-bocas entre os intelectuais da época (parece que até marcou um duelo com Olavo Bilac, que acabou não acontecendo). Por causa deste temperamento suicidou-se, num dia de Natal, aos trinta e dois anos de idade. O reflexo deste temperamento pode-se notar por toda a obra, que é muito pessoal, embora é claro, seja ficção. As críticas que faz ao sistema de ensino do colégio Ateneu parece ser na verdade uma forma que ele encontrou de relembrar sua infância, um período aparentemente muito difícil para ele. Com tudo isso em minha mente, cada vez que leio e releio o parágrafo acima, sinto que o autor sintetizou perfeita e belamente todas essas inquietações pessoais, o que torna este único parágrafo uma grande obra-prima.

Abaixo transcrevo o meu segundo exemplo de introdução perfeita:

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.

Para os que ainda não conhecem o texto, estas são as primeiras frases de Clarice Lispector no seu romance "A Hora da Estrela". Não sei o que há ali que causa tanta atração, mas desde que li pela primeira vez, fiquei admirado pela beleza e simplicidade do texto. É interessante que sempre que leio o trecho acima, lembro-me de um outro sim. No documentário "Anthology" dos Beatles, em certa parte, John Lennon fala da primeira exposição de Ono, que ele foi visitar. Havia uma obra com uma escada e uma lupa amarrada ao teto. Quando ele apanha a lupa para ler uma palavra escrita, o que ele encontra? "Sim", apenas isso. E foi o suficiente para causar um impacto enorme nele. Acho que este é o segredo do texto, o "sim". Um simples advérbio, com uma capacidade poderosíssima de atração. Nem é preciso dizer que o livro também foi devorado após essas palavras.

Finalizar uma excelente obra é sempre uma sensação maravilhosa. Um prazer que parece sempre se ampliar, a cada boa obra que lemos. Mas poucas são as obras que realmente parecem abrir os braços para nós, convidando-nos a sentir esse prazer desde o início. Claro que é muito bom sermos cativados aos poucos e sentirmos satisfação ao final. Mas quem não gosta de um livro que parece fazer um carinho logo de início? Para estes, sempre há um lugar especial na nossa estante.

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30 março 2005

Ainda Sobre Literatura Hoje

O Barbão do Caderno de Escritura citou um ponto interessante:

A voz do regionalismo e do início do urbanismo (que dominou quase todo o século XX) foi substituída por arremedos de literatura beat dos anos 60.

Gostaria de ampliar o comentário com a seguinte afirmativa: o problema da literatura brasileira é que seus escritores quase sempre acham necessário ter alguma importância política ou social. Misturam arte com um troço qualquer indeterminado, cheio de "compromissos". Com essa mentalidade exclusiva, a literatura míngua. Num texto muito interessante o Alexandre cita que o escritor pode até ter lá suas convicções políticas, mas a mistura dessas convicções com a arte não produz algo bom.

Abaixo coloco também um outro ponto de vista bem pertinente levantado por Ítalo Moriconi, num texto com o título "Literatura hoje: crise terminal ou crise de transição?":

Apesar das rupturas ideológicas que separam, de maneira geralmente bastante superficial, os protagonistas de nossa vida intelectual e literária na etapa posterior a 1930, joga-se sobre os ombros de todos indistintamente a responsabilidade de prover a nação de uma literatura, passível de ser adotada como cânone pelas instituições pedagógicas sustentadas pelo Estado e capaz de inserir-se num circuito internacional de qualidade. Na equação uspiana, existe uma correlação entre formação literária individual, formação de um sistema literário autônomo, formação da nação enquanto entidade dotada de identidade cultural erudita própria (erudição calcada no conhecimento e filtragem do popular, dentro de um paradigma que é romântico e modernista).

" Cada escritor se vê diante da circunstância de ter que criar seu próprio projeto individual (...)"
"(...) o mercado editorial, e não mais o Estado, torna-se o referencial fundamental (...)"


O texto completo pode ser lido aqui

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29 março 2005

A Cena Atual

Não costumo ser saudosista, nem sou daqueles nostálgicos que sempre vêem no passado tudo de bom e no presente uma série de coisas ruins. Mas o fato é que percebo dois pontos muito preocupantes na literatura atual. Primeiro: os novos escritos de hoje geralmente são seres desconhecidos do público em geral e segundo, atualmente não existe nenhum gênio unânime da literatura. Os mais antenados podem estar agora com os cabelos em pé ao me ver fazer estas duas afirmações, mas é o que vejo ao meu redor.

Querem ver como essa preocupação se justifica? Observem o seguinte: mesmo em vida Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa, por exemplo, eram tidos como mestres geniais da literatura. Quem se arrisca a dizer o mesmo de qualquer escritor vivo de hoje? O mais próximo disso que vimos recentemente, foi Jorge Amado, mas que morreu a pouco e que pessoalmente não creio ter sido tão grande assim. Mas vivo, quem levaria hoje este título?

Com respeito a nova literatura, o site Paralelos é uma iniciativa rara hoje em dia. Através do site encontramos muitos textos e entrevistas que tentam mostrar o que é a literatura brasileira atual. Inclusive a pouco tempo atrás, foi lançado o livro "Paralelos - 17 Contos da novo Literatura Brasileira", com textos dos autores Antônia Pellegrino, Augusto Sales, Cecília Giannetti, Crib Tanaka, Flávio Izhaki, Francisco Slade, Gustavo de Almeida, João Paulo Cuenca, Jorge Cardoso, Jorge Rocha, Leandro Salgueirinho, Mara Coradello, Mariel Reis, Pedro Süssekind, Paloma Vidal, Simone Paterman e Tatiana Salem Levy. Mas saia por aí e pergunte a respeito de qualquer um deles. O que vemos, de modo geral, é um total desconhecimento. Saindo da literatura impressa e navegando pela internet, percebemos uma nova tendência, que é a utilização de sites e blogs literários. Mas, mesmo estes, têm atingido um público, que me parece ainda bem restrito.

Essa constatação fica martelando em minha cabeça. Será que isso aponta um desinteresse pelos novos? Um desinteresse pela literatura brasileira, dum modo geral? Ou será que apontam para uma queda na qualidade da literatura brasileira? Ou será que tudo não passa de uma paranóia que tenho e que não se justifica? São questionamentos que me faço e dos quais ainda não consegui chegar a uma conclusão.

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28 março 2005

A Grande Escolha de Guimarães Rosa

O grande segredo de "Grande Sertão: Veredas", que hoje em dia já não é segredo para ninguém, é que Diadorim é uma mulher. Na época que li a obra pela primeira vez não sabia disso e, apesar de ficar fascinado com a linguagem excepcional de Guimarães Rosa, achava que tudo ali no fundo, no fundo, era uma viadagem danada. Já li e ouvi comentários de críticos malhando Guimarães Rosa por não ter escrito um romance homossexual. Para eles, a descoberta é decepcionante, revela uma falta de ousadia, que faria o romance ficar ainda melhor. A releitura da obra reforçou minha opinião de que nada ali foi escrito por acaso. Por isso, obviamente, acho que quem afirma que descobrir que Diadorim é uma mulher é decepcionante, precisa reler urgentemente a obra. Relendo o romance percebi que esse 'ápice' está sendo apresentado a todo momento, apenas não percebemos porque somos 'levados na conversa' por Riobaldo.

Primeiramente, percebam que curioso: Riobaldo narra a história despejando sobre o ouvinte (ou leitor, no nosso caso) uma série de 'causos' que vão se encaixando e assim vai montando sua própria história. Diversas vezes o próprio Riobaldo afirma estar narrando sua história porque não a entende. Ou seja, para nós leitores, é como se estivéssemos escutando Riobaldo em um divã e o que ele diz às vezes é dito de modo claro, às vezes dum modo obscuro, como que envolvido por uma névoa de incertezas. Assim nosso papel como 'ouvintes-psicanalistas' é desvendar as incertezas, 'ouvir' o que é dito e ter perspicácia suficiente para ir além do óbvio. Percebemos o vai-e-vem de um assunto a outro, o que contribui ainda mais para aumentar as dúvidas, mas o que Riobaldo faz é nos convidar a desvendar, junto com ele, seu passado. Um romance construído com essa perspectiva de interação deveria fazer-nos supor que descobertas impressionantes estariam por vir. Principalmente, porque já no início da narrativa percebemos que o grande mistério a ser desvendado é mesmo que tipo de relação existe entre Diadorim e Riobaldo.

Junte a forma narrativa com a linguagem utilizada. É uma narrativa em primeira pessoa, mas numa linguagem composta de duas partes: o linguajar sertanejo e o linguajar oficial, ensinado nas escolas. Essa linguagem dupla é a mais apropriada que poderia haver para descrever um narrador também duplo. Diversas vezes, a mistura de bem e mal, certo e errado, é descrita dum modo que avançamos as páginas sem fazer qualquer julgamento de ações, estamos neutros, assim como o ouvinte da narrativa. Por exemplo, quem aqui, ao ler a obra ia avaliando o certo ou errado do modo de vida jagunço de Riobaldo? Acredito que a maior parte das pessoas não procura se concentrar nessas avaliações, porque não só a narrativa, mas a linguagem utilizada, atenuam alguns fatos.

Por último, o próprio escritor vai aos poucos deixando pistas durante a narrativa, de que no final das contas, Diadorim é mesmo mulher. As passagens que revelam o personagem são quase sempre neutras ou inclinadas para uma imagem feminina. Talvez o momento mais 'masculino' da descrição de Diadorim, é quando Guimarães Rosa nos conta do encontro inicial entre Riobaldo e o menino, às margens do Rio de Janeiro e durante a travessia do São Francisco. Depois disso temos uma descrição delicada do rosto de Diadorim, seu estranho hábito de banhar-se durante a noite, o uso de um casaco que nunca é tirado, etc. Depois de pouco mais de duzentas páginas encontramos esta confissão do segredo:

Como foi que não tive um pressentimento? O senhor mesmo, o senhor pode imaginar de ver um corpo claro e virgem de moça, morto à mão, esfaqueado, tinto todo de seu sangue, e os lábios da boca descorados no branquiço, os olhos dum terminado estilo, meio abertos meio fechados? E essa moça de quem o senhor gostou, que era um destino e uma surda esperança em sua vida?! Ah, Diadorim... E tantos anos já se passaram.

Se com tudo isso ainda existe alguém que pode afirmar que a descoberta é decepcionante, que o escritor foi pouco ousado ou que o romance tem uma finalização ineficaz, sinceramente, a pessoa realmente não entendeu nada daquilo que Guimarães Rosa queria, nem perceberam de fato a grandiosidade da obra.

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23 março 2005

Assim Eu Fico Tímido

O comentário da leitora Karine me inspira a continuar escrevendo:

Nem consegui prestar a atenção no que você escreveu. Seu jeito é demais. Tô ficando viciada em você.

Obrigado pelo carinho e volte sempre por favor!

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Feriado

Para o feriado estou separando "Grande Sertão: Veredas", que estou relendo apaixonadamente, "Lições de Abismo" de Gustavo Corção, alguns contos de Tchecov (para aqueles momentos de transição entre uma obra e outra) e quero ver se ainda dá tempo de pelo menos começar a ler "O Arco-ìris da Gravidade" de Thomas Pynchon, livro este aliás que parece ser extremamente curioso.

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Romance inédito de Dumas será publicado

O romance Le Chevalier de Sainte-Hermine, uma história de aventuras e vingança, foi descoberto nos fundos da Biblioteca Nacional da França. A publicação está prevista para 3 de junho.

Saiu aqui e aqui

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Coitado do Borges

Ele chegou

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21 março 2005

Que Livros Merecem o Prêmio da Releitura?

Tenho a seguinte medida para leitura: em meio ao número infinito de livros existentes, se eu quiser perder meu tempo e ler algum, que seja um livro bom. Essa é, aliás, uma opinião que já causou uma certa polêmica, mas cá entre nós, ainda tento seguir essa linha. Agora, acrescente a este ponto de vista o seguinte: em meio ao número infinito de livros existentes, isso mesmo se excluirmos os livros ruins, se eu quiser perder meu tempo e reler algum, que seja um livro excelente. O fato é que boa parte dos livros bons que leio, não entram nessa categoria. Entre apanhar um bom livro já lido e apanhar algum outro que promete ser também uma boa leitura, sigo a segunda opção. Dificilmente releio algum bom livro e se eu assim o faço, é porque sei que valerá muito a pena.

O primeiro lugar disparado da minha lista de releituras é a Bíblia. Coloca-a em primeiro lugar, porque de certo modo, para mim, é até inevitável. Estudo a Bíblia e por isso possuo várias versões do texto, incluindo aí versões como a "King James" e a "American Standart". Por mais áridos que possam parecer certos trechos, como as longas listas genealógicas do livro das Crônicas, não consigo entender porque às vezes as pessoas dizem não se interessar por sua leitura. Os textos são envolventes e quando percebo, já estou acabando um livro inteiro. Gênesis, Jó, Jonas, os evangelhos e o Apocalipse, para citar apenas alguns livros, estão sem qualquer dúvida, entre os melhores textos já escritos pela humanidade. Ler a Bíblia, portanto, nunca é perda de tempo e, em meio à rotina do dia, sempre há espaço para alguma versão dela no meu criado-mudo. Sinceramente, sem levar em conta qualquer ponto de vista religioso, se você ainda não leu, está deixando de ler a maior obra de todos os tempos.

Outro que está na categoria 'livros que merecem releitura' é "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa. Alguns dias atrás, estive organizando minha estante e foi inevitável: apanhei o livro, comecei a lê-lo, folheei mais um pouco e daí cancelei todas as leituras programadas. Senti que estava precisando reler aquela obra-prima. O texto é simplesmente apaixonante e quisera eu poder parar para colocar a fila de leituras em dia! Mas a medida que avanço as páginas, vejo que deverei parar apenas quando sentir a sensação de virar a última página novamente. A sensação é de que Riobaldo está na sala, contanto seus 'causos' ali do meu lado e se você um dia sentiu essa sensação, sabe que não é possível parar enquanto o livro não acaba.

Um último livro que gostaria de citar é "Cem Anos de Solidão". Não conseguiria nunca descrever o impacto que certos trechos da obra causaram e ainda causam em mim, mas a sensação é permanente. Quando li-o pela primeira vez não conseguia parar. Muitos reclamam do autor usar os mesmos nomes para diversos personagens, mas para mim boa parte da excelência do texto está justamente neste pequeno detalhe. A Macondo de Gabriel Garcia Marquez em meio a tantas leituras e releituras virou um lugar tão próximo como uma das cidades em que já morei, ou seja, um lugar que traz belas recordações.

A bem da verdade, é possível alguém discordar das minhas escolhas de releitura. Mas a sensação de ler algum livro que se torna uma paixão pela vida inteira é uma delícia. Se um dia perdêssemos a vontade de ler qualquer outro livro, ainda assim continuaríamos apaixonados a ponto de nunca deixarmos de lê-los. Enfim, parece que ao fechar o livro, temos a certeza que um pedaço do seu conteúdo ficará para sempre junto conosco. E mesmo se pudéssemos, não nos separaríamos deste pedaço.

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17 março 2005

Leitores e seus Hábitos Estranhos III - O Transeunte Literário

Todos conhecem a história, como uma ou outra pequena variação: um belo dia, por razões variadas, a pessoa apanha o livro, começa a folheá-lo, inicia a leitura e pronto! esse livro é responsável por uma revolução nos hábitos do indivíduo. Antigamente ele gastava horas em frente à tv, lia o jornal do dia, saía com a turma após o serviço para tomar chope quase todos os dias. Agora ele só pensa numa coisa - o maldito livro. Falta cinco minutos para começar a aula? Ele abre o livro. Está em pé no ônibus lotado? Surge um contorcionista entre os passageiros, que consegue segurar a pasta, segurar o livro e ainda não cair com a freada do motorista. Sobra um tempo no horário do almoço? Troca o passeio pelas ruas pela combinação banco da praça + livro.

Em alguns casos a mudança de hábitos desaparece ao fim da última página, mas esses são casos raros. Normalmente, um livro puxa outro, que puxa outro e quando a pessoa se dá conta ela já é um transeunte literário. Ele passa por livros e livros, grifa textos, recomenda alguns aos antigos parceiros do chope e sempre está onde eles estão. O primeiro ambiente da nova rotina é quase sempre a biblioteca. Antigamente ele se aproximava pensando no trabalho a ser realizado, ou em ir conferir a resposta a uma dúvida rápida. Agora, ele é quase enxotado dali pelos funcionários na hora de fechar. Da biblioteca à livraria é um passo. Os vendedores se estapeiam na porta para decidir quem vai atendê-lo. Ele passa prateleira por prateleira e vai recolhendo aquela promoção imperdível, que muitas vezes nem será lida. Com o surgimento das lojas virtuais a coisa mudou um pouco e ao invés de prateleiras, agora ficamos horas fazendo buscas e mais buscas entre as diversas opções do catálogo de cada site. Infelizmente, logo logo o transeunte literário descobre que seus desejos são ilimitados, mas seus recursos não. A nova opção que surge agora, portanto, são os sebos. Daí o transeunte literário transforma o livro numa moeda. Seus olhos vêem não mais um livro mas sim 'uma raridade', 'uma oportunidade' ou simplesmente um livro que deve valer uns 2 Sidney Sheldon. A linha entre um mero transeunte literário e um vigilante de sebos é tênue.

Claro que esta é apenas uma simplificação do processo. Existem transeuntes literários das mais variadas espécies: os supersticiosos (que não começam a ler um Poe numa sexta-feira 13), os esfomeados (que lêem até Paulo Coelho sem as páginas finais), os degustadores (que cheiram e experimentam algumas páginas antes de começar de fato a leitura), etc. Mas a principal divisão que podemos citar é a dos transeuntes literários fiéis e os infiéis. Geralmente o transeunte começa fiel e lê somente um livro de cada vez. Fica afeiçoado a ele e promete fidelidade até a última página. Com o passar dos anos, porém, essa relação se torna um pouco monótona e ele decide experimentar novas sensações. Aos poucos vai desenvolvendo um affair por outras obras, enquanto lê a obra do momento. É aquela velha história: estou lendo um catatauzão, mas para não cansar, no banheiro eu leio um livro de contos, por exemplo. É inevitável, quem trai uma vez, trai duas, três... O transeunte literário passa a ler várias obras ao mesmo tempo. Em sua pasta ou bolsa ele tem sempre disponível uma variedade para que seus anseios sejam sempre realizados.

Os transeuntes literários são vencedores. Não se envergonham de assumir sua paixão por livros, apesar de muitos os discriminarem. São tachados muitas vezes com rótulos diversos e estereotipados, como pessoas tacanhas e chatas. Mas eles não estão nem aí. Continuam sua rotina, trilhando entre as letras.

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16 março 2005

Dúvida

É impressão minha ou quase ninguém se interessou pelo assunto?

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O Medo de Transpor a Porta

Ironicamente o melhor conto de Franz Kafka não é um conto. Já no fim da obra "O Processo", no capítulo "Na Catedral", somos apresentados a uma das melhores parábolas que a literatura produziu. O relato curto é narrada por um padre que nos conta sobre um homem do campo que chega ao portão de entrada da Justiça. Ali ele se depara com o porteiro. Pede licença para entrar. O porteiro recusa: "Agora, não." "Mais tarde, talvez?", pergunta o homem. "É possível", retruca o porteiro, "mas agora, não". O camponês fica para sempre à espera, vez por outra tentando olhar através da porta. Muitos anos passados, ele está às portas da morte. Então ele pergunta:

Todos se esforçam para alcançar a Lei... como, então, em todos esses anos, ninguém, além de mim, pediu para entrar?
O porteiro grita-lhe ao ouvido:
— Somente você e mais ninguém poderia entrar por esta porta, pois ela foi feita exclusivamente para você. Agora, vou fechá-la.

A imagem da porta aberta não me sai da cabeça. Imagino um cenário de Matrix: tudo branco, uma porta aberta, o porteiro e o homem à espera de uma oportunidade de transpor a porta. A vida passando em segundos e o homem decrépito já quase morto fazendo a inevitável pergunta ao porteiro. Não me sai da cabeça também outra maldita pergunta: por que o homem não tentou transpor a porta 'na marra'? Dentro da história o porteiro informa ao homem que ele não é o único porteiro, que outros virão, maiores até ultrapassarem o limite do suportável. Mesmo assim ainda continua a dúvida, já que a maioria das pessoas se imaginam transpondo a porta de uma forma ou de outra.

Mas será que realmente a transporíamos? Será que a porta que temos aberta a nossa frente continuará aberta de forma a não alcançarmos nosso objetivo, seja ele qual for? Parece que essa pergunta nos persegue a vida inteira. Principalmente porque vivemos cercados de medos imaginários, formulamos hipóteses de possíveis conseqüências terríveis e preferimos nos sentar e esperar um tempo mais apropriado para também transpormos a porta. Mas para muitos o porteiro continua lá, até a morte. A autorização para passar pela porta nunca chega. A única coisa que temos certeza hoje é de que um dia a porta irá se fechar para sempre. Talvez nem tenhamos a oportunidade de avaliar se a espera valeu a pena ou não. E essa porta é só nossa.

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15 março 2005

Quadrinhos

Por que não ler Kafka também em quadrinhos?

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A Doença Crônica

Uma vez, numa discussão sobre "O Processo", um amigo me disse que Kafka era um doente. Embora achasse engraçado na hora, fui relacionando seus personagens e suas histórias a essa idéia e cheguei a conclusão que de certa forma ele estava certo. Sua obsessão em tratar absurdamente situações e o modo cruel como ele manipula seus personagens principais são marcas inconfundíveis da obra de Kafka. "A Metamorfose" nada mais é do que a explicitação mais clara dessa doença que percorre toda a obra de Kafka.

"A Metamorfose", não é meu livro preferido de Franz Kafka. Na verdade, da trilogia principal ("O Processo", "A Metamorfose" e "O Castelo") acredito que esse é o pior. Falo isso porque sou da teoria de que o estilo de Kafka deve ser-nos apresentado de um modo mais envolvente, aos poucos. E "A Metamorfose" é o mais direto Kafka dos três. Simples e conciso, o estilo de Kafka é jogado na nossa frente, sem rodeios,já na primeira frase da obra, que é uma das frases mais conhecidas da literatura mundial e que foi redigida com a clara intenção de nos chocar logo de início. O interessante é que tudo ao redor é perfeitamente verrossímil, exceto o fato do protagonista estar transformado num inseto. Aliás, parece ser essa a intenção do escritor: nunca deixar que o absurdo da situação tome o lugar principal na obra. Parece que o objetivo de Kafka é colocar o absurdo como pano de fundo para pintar um quadro em que os conflitos de Gregor Samsa sejam evidentes. Do ponto de vista do narrador, apesar do absurdo, tudo parece ser normal, o que faz lembrar algumas descrições fantasiosas do realismo fantástico que nasceria muito tempo depois.

São várias as "doenças" mostradas na obra: a transformação de relacionamentos por causa do dinheiro, obrigações morais impostas pela tradição familiar, alienação, necessidade de liberdade, culpa e outros. Todos os temas, no entanto, se relacionam de uma forma ou outra com a doença maior, a doença crônica de Samsa: sua crise de identidade. A transformação faz com que o personagem abandone suas anteriores preocupações que de certa forma o tornavam somente uma peça da engrenagem. Por isso, somente quando Samsa se transforma num inseto é que ele realmente se torna humano. Sozinho no quarto, ele pode avaliar quem realmente é. E, ao contrário do que se podia esperar, nesta situação todos o desconsideram, até poderem "jogá-lo fora". Especialmente na última parte do romance, onde o conflito de Samsa com sua família atinge seu clímax, somos levados por Kafka a entrar na "pele" do personagem. Quando anteriormente Samsa era um trabalhador qualquer, vivia em uma família comum. Quando sofre a metamorfose, ele conseqüentemente se livra do trabalho mas é abandonado pela família. Lemos as reflexões pessoais do personagem e sua análise do ambiente à sua volta e de como pouco a pouco ele é substituído e ignorado.

A doença crônica da desumanização pelo trabalho que Kafka nos apresenta é um tema bastante atual. O trabalhador que continua a ser a peça da engrenagem em muitos casos tende a se esquecer de ver a si mesmo, refletir em quem é e quais são seus objetivos. Na maioria dos casos, somos fortemente influenciados a isso, já que o ambiente a nossa volta costuma acreditar que essa é a regra. Sair desse esquema costuma causar atritos, inclusive familiares. Ler a obra de Kafka serve para abrir nossos olhos para a necessidade que temos de também sofrermos nossa metamorfose com o objetivo de nos humanizarmos. A doença crônica só pode ser vencida quando passamos a pensar em quem somos e o que queremos.

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14 março 2005

A Revolução Digital

Num post com o título "A Dialética da Ameaça Anônima" o Idelber Avelar escreveu:

"O email colocou a última pá de cal na correspondência como gênero literário. Acabaram-se aqueles romances escritos em formas de cartas. Já não há cartas. O email não é uma carta em forma eletrônica. É outro gênero, com outras regras. Prá começar, não dura, não se guarda."

Andei pensando a esse respeito e em pouco tempo fiquei imaginando em como a internet mudou, tem mudado e continuará mudando a forma de nos relacionarmos com outros, inclusive com nossos autores preferidos. Antigamente, se não éramos amigos do escritor que gostávamos, o texto dele chegava até nós depois de um longo tempo entre sua escrita e sua publicação. O autor rabiscava, rabiscava, rabiscava, depois encaminhava os originais para a editora, aquele texto passava na mão de uma série de revisores, ia e voltava uma dezena de vezes em muitos casos, até que era publicado e podíamos desfrutá-lo. Embora tradicionalmente a coisa ainda corra assim, a internet criou uma série de alternativas que beneficiam tanto o escritor como o leitor.

Antigamente, um escritor tinha uma única oportunidade de atingir seus leitores: ser reconhecido por alguma editora que resolvesse ampliar a divulgação de sua obra através não só da publicação dela, mas também da sua disponibilização em diversos pontos de venda. Exposição e propaganda em troca de grandes vendas, essa era a lei. Com a chegada dos weblogs, os populares blogs, o escritor tem em suas mãos uma grande ferramenta que faz justamente isso: divulga o trabalho do autor. Como conseqüência, ao invés de termos acesso a um texto muitas vezes "censurado" por ter passado de mão em mão até ser publicado, hoje o leitor tem acesso a um texto mais "cru". Às vezes, quase que acompanhamos uma obra desde a sua concepção até o seu nascimento. Em certo sentido, somos em parte responsáveis, através de críticas na caixa de comentários, por modificações significativas ou até por uma idéia que faz nascer outra boa obra.

Exemplifico essa aproximação citando meu próprio caso. Os textos que posto aqui são quase todos fruto da vontade do dia. Raras vezes escrevi algo para "estocar" e ser usado numa ocasião de emergência. Isso acaba tendo duas conseqüências imediatas. A primeira é que vez por outra sou mal interpretado, já que o texto é digitado na hora e muitas vezes nem consigo relê-lo (não por preguiça, mas por falta de tempo e como sempre estou ansioso para vê-lo disponível é quase inevitável que isso ocorra). O segundo ponto é que o leitor é levado a tirar suas conclusões e o blog vive sendo influenciado pelo "clima" do dia ("puxa, hoje ele está inspirado!" ou "que porcaria de texto, será que esse cara é tão idiota assim?"). Não consigo imaginar nada mais próximo, no caso de um escritor. Ao lermos uma grande obra publicada depois de muito tempo e revisões, vemos algo único, embora uma ou outra crítica apresente novos ângulos. No caso de alguns autores que possuem um blog ou uma página na internet, podemos até transformar a obra, ligando fatos do dia a dia da vida do autor e suas leituras, com o que lemos em sua obra.

Agora vamos extrapolar: imaginemos o futuro. Não sei se o formato atual do livro irá acabar, mas creio que o formato digital poderá crescer ainda mais. Imagine você tendo a oportunidade de "assinar" um escritor, assim como você assina uma revista. Carregando seu leitor de e-book numa viagem, você em meio aos e-books disponíveis, recebe uma mensagem informando que mais um capítulo da obra que você vem acompanhando está disponível para sua leitura. Através de hiperlinks, você poderá consultar imediatamente as referências a outras obras. Imediamentamente, começa um debate a respeito da ambigüidade de certo trecho ou a quê o autor estava se referindo numa parte obscura da obra. O debate pode ter até mesmo a participação do autor, com comentários que fazem crescer ainda mais a discussão. Teremos uma obra viva na mão, ainda mais rica e muito mais próxima. Talvez daí venha a nascer um novo gênero literário: a publicação dos logs dessas discussões entre autor-leitor. Como num DVD, veríamos além da obra, o "making of" dela.

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Ainda Mia Couto

Para quem ainda não conhece o autor, leia esta entrevista que ele deu ao jornal "O Globo". É necessário estar cadastrado no site.

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12 março 2005

Introduções Inesquecíveis

Estou escrevendo um texto sobre as melhores introduções da literatura brasileira e pensei em, antes de concluí-lo e postá-lo, perguntar a vocês: quais introduções deveriam compor o "hall da fama" brasileiro?

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11 março 2005

Bartleby de Melville - Parte II

Bartleby, assim como o artista da fome de Kafka, tem a incrível incapacidade de se relacionar com o mundo ao redor. Se isolam por permanecerem fixos nos seus objetivos. Embora o narrador se esforce em entender o por quê de Bartleby continuar com sua determinação de não trabalhar, ele falha e conseqüentemente não consegue ajudá-lo a novamente se ligar ao mundo em que vive. A descrição de Bartleby faz com que imaginemos um fantasma e não um homem. Pálido e magro ele no começo da obra trabalha sem demonstrar qualquer interesse no que faz, simplesmente executa seu trabalho como uma máquina. Mas a cada página, percebemos que ele vai ficando cada vez mais distante do mundo em que vive e cada vez mais vai renunciando estar inserido nele, até que no final vem a renúncia-mor e ele morre. É interessante que a expressão em inglês que ele utiliza para expressar sua rejeição ("I would prefer not to") não é uma simples negação ("I will not"), ou seja, ele é firme porém expressa isso dum modo passivo, o que causa estranheza (em português a estranheza é mais sutil, já que não é muito diferente dizer ao patrão "eu prefiro não fazer" ao invés de "eu não farei").

Outro aspecto interessante é que "Bartleby" é uma das primeiras grandes histórias que falam da insatisfação com o trabalho. O vazio da vida moderna é um importante tema da obra. A descrição do ambiente de trabalho nos faz lembrar uma repartição pública burocrática e isolada. A esterilidade do ambiente é notado quando o narrador descreve o ambiente em que as janelas só mostram muros, isolando os seres humanos do mundo onde existe outros seres vivos. A situação é ainda pior à noite, quando Wall Street é abandonada. Embora, o narrador seja descrito como um homem de sucesso, ele mesmo diz que foi vítima do progresso: no futuro, seu posto será extinto por ser considerado redundante e desnecessário. O próprio Bartleby, como o narrador diz no final, parece ter sido vítima da modernidade.

"Bartleby" é uma história simples, mas muito bem contada. Quem conhece a obra de Kafka, pode perceber muitos pontos parecidos. Também já falei aqui sobre o absurdo como ponto fundamental de alguns autores e obras. Quem ainda não leu o texto, leia-o clicando aqui. Sem querer acabei encontrando alguns pontos para serem comparados com outra obra que gosto muito e que deverei falar a partir de terça-feira: "O Processo" de Kafka. Tenho algumas idéias na mente sobre a obra de Kafka e "Bartleby" poderá ampliar mais um pouco essas impressões.

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Atenção para Este Nome

O nome é Mia Couto. Atualmente estou lendo "Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra" e parece ser a melhor prosa que eu já li desde "Cem Anos de Solidão". Estou começando a obra agora, mas se tiverem a oportunidade conheçam! O escritor é realmente muito bom.

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10 março 2005

Uma Idéia

Imagine uma coleção com vários volumes, reunindo o cânone da literatura brasileira. Bom, o primeiro volume poderia começar com um estudo sobre o início da literatura no Brasil, uma espécie de "História da Inteligência Brasileira" mais resumida e contendo apenas os pontos altos. A coleção poderia ter também uma espécie de 'mapa de épocas', apresentando ano a ano autores e obras mais representativos, junto com dados históricos e fatos marcantes de cada época. Do segundo volume em diante, a coleção traria além das obras, um perfil do autor, sua bibliografia e uma justificativa do porquê de tal autor fazer parte da coleção, ou seja, qual a sua importância para a literatura brasileira. Autores como o padre José de Anchieta, o padre Antônio Vieira, Tomás Antônio Gonzaga, Gregório de Mattos, Olavo Bilac, Catulo da Paixão Cearense, João Simões Lopes Neto, João do Rio, Euclides da Cunha, Antônio José da Silva, fariam parte da obra, mas também Machado de Assis, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Erico Verissimo, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Autran Dourado e Rubem Fonseca. Seria como aquela excelente coleção "Para Gostar de Ler", só que maior e encadernada em capa dura.

Vamos extrapolar mais um pouco: imagine uma obra como esta sendo editada e publicada por responsabilidade do governo federal. Como sabemos, o governo federal é o maior comprador de livros do país. Tem carta na manga, portanto, para negociar com as editoras os direitos autorais sobre aquelas obras que ainda não caíram em domínio público. Mas imaginemos uma parceria além das editoras. Semelhante ao que ocorreu recentemente, quando a editora Nova Cultural lançou em bancas clássicos com qualidade e um preço bem atraente, o governo poderia estabelecer uma parceria com alguma empresa como a Suzano, por exemplo, e assim reduzir o custo da publicação da coleção. Após isso, a coleção seria distribuída em todas as bibliotecas das escolas públicas e serviria de base para o ensino de literatura no país. O essencial seria mostrar aos alunos porque algum autor considerado "chato" tem seu valor e tentar associá-lo ao período em que a obra foi escrita. Eventualmente então, as escolas poderiam ter aulas integradas, por exemplo literatura e história, ou literatura e geografia, etc.

Obviamente, poderia haver algum problema para os professores menos preparados e com menos recursos. Pois bem, para estes o governo poderia promover uma 'reciclagem' editando também uma espécie de cartilha auxiliar para, por exemplo. sugerir temas e discussões em sala de aula. No nordeste do Brasil, por exemplo, o professor teria como sugestão tentar discutir com os alunos o problema da seca e a obra de Graciliano Ramos. No sul, Erico Veríssimo seria o ponto de partida para uma viagem histórica, onde os alunos buscariam detalhes de eventos como a Guerra dos Farrapos. Enfim, os professores seriam ajudados por associar seus próprios conhecimentos regionais às obras.

Claro que isto é uma simplificação da idéia, existem muitos pontos que poderiam ser ampliados ou modificados. Por exemplo, empresas privadas poderiam formular a coleção com o auxílio do governo e cada obra seria vendida a um preço fixo. Além de servir às bibliotecas de escolas públicas, a coleção poderia também ser colocada no mercado e assim quem quisesse poderia tê-la em casa. O fato, no entanto, é que mesmo sem avaliar detalhadamente se esta idéia seria viável ou não, não percebo muita preocupação por parte da maioria da sociedade (inclusive pessoas não ligadas ao governo ou a algum partido político) de inserir a literatura no dia a dia das pessoas. Todo mundo se preocupa em 'socializar' as pessoas, torná-las 'cidadãs' e eliminar a desigualdade social. Pessoalmente, não acredito que a literatura possa eliminar todos os problemas sociais que existem. Mas ninguém pode dizer que a literatura não tem sua importância. O que eu quero dizer é que uma sociedade acostumada a ler e que sente prazer nesta atividade está muito melhor preparada para, pelo menos, pensar melhor sobre as causas dos problemas. Se a maioria nem apr8endeu ainda a organizar suas idéias, como elas podem reinvindicar e propor soluções para os problemas existentes?

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09 março 2005

Bartleby de Melville - Parte I

"Bartleby, O Escriturário" de Herman Melville é uma novela curta que conta a história de Bartleby, um escriturário que faz cópias de documentos e que de repente se recusa a trabalhar. Melville escreve de forma econômica e direta, mas ao mesmo tempo envolvente. A novela é considerada precursora do absurda de Kafka. Aliás, parece haver uma ligação entre Bartleby e o artista da fome de Kafka. O primeiro ponto que me chamou atenção em "Bartleby" é como a obra de Melville apresenta a natureza ambigüa da vida humana. Nippers e Turkey, por exemplo, são dois lados da mesma moeda. A primeira referência que vem à mente ao ler a descrição dos dois personagens é "O Médico e o Monstro" de Robert Louis Stevenson. A diferença é que além de cada um deles ser "médico" e "monstro", essas personalidades são complementares. Quando um é o "monstro", o outro é o "médico". Também de certa forma, o narrador e Bartleby acabam sendo complementares. O narrador é o chefe do departamento, mas não consegue ser autoritário e vez por outra resolve uma situação relevando certos comportamentos. Bartleby na sua recusa a realizar tarefas é resoluto e inflexível. Portanto, observando sob esse ângulo percebemos um quadro de personagens que se encaixam. Essas foram minhas primeiras impressões, porém falarei mais sobre a obra num outro post.

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Sonho de Consumo

The Harvard Classics The Shelf of Fiction

Selected by Charles W. Eliot, LLD

The most comprehensive and well-researched anthology of all time comprises both the 50-volume “5-foot shelf of books” and the the 20-volume Shelf of Fiction. Together they cover every major literary figure, philosopher, religion, folklore and historical subject through the twentieth century.

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08 março 2005

A Capacidade de nos Surpreender

Acordar com a 'pá virada' tem algumas vantagens. É muito bom entrar numa livraria escolher títulos excelentes, que são reconhecidos como clássicos, e ir para casa feliz da vida imaginando que você terá bons momentos pela frente. Mas nos dias em que você acorda com o 'pé esquerdo' você está cansado disso. Você não agüenta mais ouvir falar neste ou naquele livro e você quer ver algo novo, diferente. Daí você entra numa livraria e segue as prateleiras como um caça-talentos, quer arriscar encontrar um livro e lê-lo com o mínimo de referências. É como um experimento químico, onde muitas vezes você intui que certo elemento combinará com outro e produzirá algo útil. Você quer apanhar o livro e seguir seu instinto. Quer testar seu paladar literário para ver se você encontrará uma boa obra sem qualquer indicação.

Num desses dias de mau humor para com os clássicos, fui até a livraria e apanhei "Todas as Festas Felizes Demais" de Fábio Danesi Rossi. Apesar de conhecer e ler seu blog, não sabia nada mais sobre o livro. Logo de cara achei de bom gosto a capa: um fundo branco e a foto de um enorme cogumelo iluminado com uma 'alice' sentada em cima. O logotipo da editora "Barracuda" parece que estava sintonizado com minhas expectativas: um anzol me lembrando que eu estava ali para 'pescar' algo útil da pilha de ofertas. Capas ok? Sim, então vamos ler as orelhas... Quem escreve é o poeta Fabrício Carpinejar. Algumas palavras e expressões se destacam à medida que leio: narrativas hiperbólicas, humor negro, leveza, etc. Passo a folheá-lo, leio o título de cada um dos contos e por fim decido levá-lo.

O melhor elogio que acredito que uma obra possa receber é dizer que esta tem a capacidade de surpreender positivamente. Pois o livro, além de surpreender, supera qualquer expectativa. A primeira idéia que vem na mente é que o autor consegue de maneira perfeita colocar diversos sentimentos antagônicos num liquidificador e bater tudo de um modo singularmente criativo. Numa frase estamos rindo e na seguinte quase nos entregamos as lágrimas. Passamos o conto inteiro nos divertindo e de repente nos assustamos com a crueldade de uma situação. Tudo isso num ritmo agradável, com idéias ligadas e sem excessos. Os contos separados são bons, mas ao final quando reunimos todos num flashback, conseguimos ver uma obra bem superior à maioria das obras produzidas atualmente. Ao invés da sensação habitual que muitas obras deixam de 'eu já li algo assim', ao final o que sentimos é que lemos algo realmente criativo e novo.

Normalmente sou pouco exigente, dou tempo a um livro, se não me agrada um ou outro aspecto vou relevando, até que finalmente eu acabo, reúno todos os pontos e coloco tudo na balança, avaliando tudo que há de positivo e de negativo na obra. Mas quando entro numa livraria buscando ser surpreendido, transformo-me. nestas ocasiões sou um leitor ranzinza e se encontro um ponto negativo, exagero-o a ponto de esculhambar a obra. O livro do Fábio me pegou num dia assim e mesmo assim ainda não consegui achar nada que me fizesse dizer qualquer coisa contra ele. Parabéns, pois o livro realmente merece.

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07 março 2005

Fugindo um Pouco do Assunto

Sim, este é o mesmo blog sobre literatura. É que o Idelber do Biscoito Fino está promovendo uma votação dos 10 melhores álbuns de brasileiros. Como uma das paixões deste blogueiro é a música, vou dar o meu pitaco:
10 - Afrociberdelia - Chico Science & Nação Zumbi
Tem gente que prefere "Da Lama ao Caos". Como gosto dos dois, teve que ser quase no par ou ímpar. Enfim, para mim o melhor do Chico Science e um dos mais criativos trabalhos brasileiros de todos os tempos.

9 - Álibi - Maria Bethânia

8 - Cartola - Cartola
"O Mundo é um Moinho" está neste disco, falar mais o quê?

7 - Construção - Chico Buarque
Eu gostaria de votar no Chico Buarque, sem escolher um disco, mas como não é possível, voto neste que tem além de "Construção" (minha música preferida) tem também "Samba de Orly".

6 - Os Saltimbancos
O melhor disco infantil já feito, também páreo duro com "A Arca de Noé". Mas cá entre nós, quem não consegue cantar o refrão de "História de uma Gata"?

5 - V - Legião Urbana
Legião Urbana virou uma referência para a maioria dos jovens da década de 80 até hoje. Apesar de "Dois" e "Ass Quatro Estações" serem excelentes, escolhi este que para mim tem os hits menos óbvios como "Metal Contra as Nuvens", "Sereníssima" e, é claro, "O Teatro dos Vampiros".

4 - Elis & Tom - Elis Regina & Tom Jobim
Tudo funciona nesse disco. Parece que o disco inteiro é uma música só. Excelente.

3 - Chega de Saudade - João Gilberto
O nascimento da bossa nova. Clássico.

2 - O Clube da Esquina - Milton Nascimento & Lô Borges
Não tem o que falar. Fantástico.

1 - Roberto Carlos 1971 (Detalhes) - Roberto Carlos
Apesar das controvérsias (e ao falar do rei tem gente que até briga), não conheço nenhum brasileiro que não consiga cantar pelo menos uma parte de "Detalhes". Esse disco é a mudança final que fez o Roberto abandonar o jeito "iê-iê-iê" e se tornar o cantor pop de hoje.

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04 março 2005

Hipertexto

Vladimir Nabokov em "Fogo Pálido" explodiu com todos os limites de um texto. James Joyce ampliou a visão do texto literário em "Ulisses" mas foi Nabokov quem enterrou de vez a noção de "limite" que os leitores conheciam até então. Antigamente um livro tinha começo, meio e fim. Joyce ampliou esta noção em "Ulisses" ao encher o texto com referências e criar histórias paralelas dentro do livro e exigindo muito mais do leitor do que pensar de modo linear. Nabokov em "Fogo Pálido" transformou a literatura ao criar um texto-hipertexto. Não existe começo, meio e fim, mas sim o livro. Nabokov escreveu um livro sobre livro num livro. Até hoje os especialistas discutem se na verdade existe um, dois ou vários narradores na obra. A obra se divide em um prefácio, assinado por Charles Kinbote, um longo poema dividido em quatro cantos, escrito por John Francis Shade, uma lista de notas sobre o poema, também de autoria de Charles Kinbote e por último um índice remissivo com a descrição de alguns personagens.

A história é a seguinte: Charles Kinbote se apropria, edita e publica o longo poema "Fogo Pálido" de autoria de seu amigo(?) Shade, morto pouco depois de concluir a obra. O poema é seguido por notas que, segundo Kinbote, dão todo o sentido à obra. São anotações de versos desprezados, histórias pessoais do editor, referências às suas referências, etc. Começamos tentando acompanhar essas referências com o texto, mas a cada "explicação" o incômodo causado fica maior. Parece que na verdade Kinbote quer nos contar sua própria história. Numa primeira leitura, encontramos um sentido, mas Nabokov espalha diversas outras pistas pelo romance que criam uma charada. A sensação ao final é de existe algo mais ali, ou seja, que estamos caindo numa armadilha. Acho que o melhor termo que simplifica todas essas sensações é de que este é um livro que nos provoca. Ao final, queremos lê-lo novamente e descobrir esse "sentido oculto" que o escritor deixa no ar.

Nabokov embaralha nossos sentidos de forma magnífica. Ao criar o personagem Kinbote, que obsessivamente relaciona o poema a eventos de Zembla (terra natal do personagem) somos imediatamente levados a duvidar de tudo que está escrito. Certos trechos parecem estar deslocados ou parecem ser desnecessários. Kinbote pincela referências externas em suas notas - livros e autores que realmente existem e outros que não existem, fatos como um furacão que devastou os EUA chamado Lolita(!) ou personagens como o professor Pnin. Nabokov entrelaça seu texto à exaustão e faz de tudo para que não acreditemos na história. Se Borges "previu" o caos da internet, foi Nabokov quem mostrou-nos as possibilidades do hipertexto.

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03 março 2005

Breves Notas

A literatura alemã é dona de obras-primas que são indispensáveis. Ainda assim muitos não conhecem boa parte dessas obras nem alguns dos maiores autores da literatura mundial. "Escombros e Caprichos: o Melhor do Conto Alemão no Século 20" é um livro que procura chamar a atenção para alguns autores importantes e disponibilizar alguns belos contos desses autores. Nomes como Heinrich Mann, Thomas Mann, Franz Kafka, Robert Musil, Bertholt Brecht, Stefan Zweig, Günter Grass e Thomas Bernhard estão presentes na obra. O destaque fica para a autora austríaca Elfriede Jelinek, laureada com o Prêmio Nobel de Literatura de 2004. Li o conto dela, uma mulher grávida refletindo sobre sua vida, e sinceramente não achei nada demais. O conto parece apenas aquele estilo "história de mulher para mulheres". Evidentemente não dá para fazer qualquer julgamento de um autor somente lendo um conto. Por isso espero que em breve outras traduções de obras da escritora estejam disponíveis para nós brasileiros. Em Portugal já saiu "A Pianista", obra que é reconhecida por muitos críticos como sua obra-prima. O primeiro parágrafo coloco abaixo:

A professora de piano Erika Kohut entra como um furacão na casa que partilha com sua mãe. A mãe gosta de chamar a Erika o seu pequeno tufão,pois a menina consegue às vezes ser tão rápida como um furão. Fugir à mãe é a motivação. Erika vai a caminho do fim dos trinta. No que respeita à idade, a mãe bem poderia ser sua avó. Foi só ao cabo de muitos e duros anos de matrimónio que, outrora, Erika se apresentou neste mundo. O pai logo à filha passou o testemunho e saiu de cena. Erika entrou em cena, o pai saiu. A necessidade tornou Erika na mulher rápida que é hoje. Qual enxame de folhas outonais, entra de rompante pela casa dentro e esforça-se por atingir o quarto sem ser vista. Mas já se lhe interpõe a mamã, enorme, imobilizando Erika. Com interrogatório, encostando-a à parede, inquisidor e pelotão de fuzilamento numa só pessoa, reconhecida no Estado e na família como mãe, por unanimidade. A mãe investiga por que razão Erika só agora chegou a casa, tão tarde? O último aluno há já três horas que se foi embora, cumulado pelo escárnio de Erika. Deves pensar que não venho a saber onde estiveste, Erika. Uma criança não espera que a mãe a convide a prestar contas, em que aliás ninguém acredita, porque criança gosta de mentir. A mãe ainda fica à espera, mas só o tempo de contar até três.

Pela introdução, parece ser um livro bem "feminino".

***
Não resisti e acabei de adquirir "Bartleby - O Escriturário" de Hermann Melville, numa tradução de Fernando Sabino. Como é um livro bem fininho, devo lê-lo por esses dias mesmo. Após a leitura, espero também ler "Bartleby & Companhia". A fila que já andava grande continua a aumentar.
***
O que fazer quando somente um sebo possui o livro que você quer e este sebo quer um absurdo (daqueles preços que você se esforça para não rir quando o vendedor lhe informa) por ele?

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02 março 2005

Agradecimentos

Por causa da falta de tempo dos últimos dias não consegui agradecer a todos os que tem mandado e-mails ou postado em seus blogs elogios. O Alpha Tauri escreveu:

Dois novos blogs passam a figurar na coluna da fama. Se quiserem ler uma pessoa sensata, leitor de bom gosto e que formula eloqüentes e enebriantes comentários sobre suas leituras, leiam o blog 2005 - Uma Odisséia Literária, do Leandro Oliveira. Ele aprofunda-se tanto em suas pesquisas literárias que chega ao culminante ponto de discutir a etimologia de certos termos do russo para melhor compreender o porque da tradução de certas passagens do texto de Dostoiévski. O blog do Leandro é uma verdadeira aula de literatura ao alcance de um clique de mouse. Comprovem, pois esse blog é merecedor de menção honrosa.

Obrigado pela menção honrosa Alpha e pelo link!

O Marcelo Bueno, editor do Guia de Literatura na Internet do Sobre Sites, escreveu:

Conferi o seu blog e confesso que o conteúdo dele destoa em muito da maioria dos blogs que venho encontrando ultimamente na Web. Um dos motivos pelo que o seu material me agradou, além da pertinência dos assuntos, foi a presença de alguns autores que me são caros, como Kafka e Joyce, por exemplo.

Muito obrigado!

Ainda a Cláudia Palpiteira elogiou este humilde blogueiro e também deixou um link pra cá. Cláudia, o novo layout ficou ótimo! Muito obrigado!

Além deles, muita gente tem chegado aqui via Biscoito Fino e a Massa do professor Idelber, que já avisou que em maio estará passando uma temporada aqui em BH. Quem sabe sobra um tempinho pra gente tomar um café lá na praça da Savassi e jogar conversa fora?

Também o Persegonha do Leite de Pato, um grande amante da literatura, colocou um link pra cá e muita gente tem conhecido e gostado deste blog. Muito obrigado!

Por fim o Marco Aurélio do Plural, que venho acompanhando praticamente deste que foi fundado, leu, gostou e linkou. Muito obrigado!

São apenas dois meses de Blogosfera e o sucesso deste tem me deixado cada vez mais satisfeito. Para aqueles que perguntaram sobre a lista de links, gostaria de dizer que conforme vocês podem observar, tenho tentado aos poucos melhorar esteticamente este blog. Como não tem sobrado muito tempo e o tempo que sobra eu vou escrevendo, algumas coisas ainda não estão 100%. Mais um dia ele fica perfeito (pelo menos espero assim)!

Obrigado a todos vocês leitores! Espero que continuem visitando e comentando esta odisséia!

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01 março 2005

Informação em Excesso

"Ficções" de Jorge Luis Borges é uma obra-prima. Se retirássemos o conto "A Biblioteca de Babel" do livro, ainda assim seria uma obra-prima. E se a obra fosse somente este conto, ainda seria uma obra-prima. "A Biblioteca de Babel" junto com "Um Artista da Fome", de Kafka, são para mim os dois melhores contos da literatura mundial. Toda vez que procuro algo na internet e não encontro, por causa do excesso de informação, é inevitável a sensação de que o ser humano criou sua biblioteca de Babel.

Ao lermos o conto, vemo-nos como um bibliotecário desta imensa biblioteca de conhecimento que é a internet. É bem frustrante pesquisar algo na internet e não encontrar. Sentimos que a informação está disponível em algum lugar que não sabemos, ou em alguma língua que não compreendemos. Em alguns casos, a massa de informações inúteis que chegam até nós é absurda e perdemos muito tempo separando informações que nos servirão algum dia daquelas que não terão qualquer utilidade. Borges, no seu conto, descreveu o problema conteporâneo do excesso de informação e suas palavras são como uma profecia desta nova modalidade de ignorância.

O próprio Borges é um exemplo do caos que é a internet. Escritor muito culto, freqüentemente em seus escritos ele cita autores e obras. O interessante é que nem sempre essas citações são de fato reais. Algumas vezes o autor é real e sua obra uma fantasia inventada. Em alguns casos, obra e autor são reais, mas o trecho citado não existe. O que poderia ser mais atual? A internet é uma armadilha para os viciados em informação. Muitas vezes, notícias que lemos são falsas e autores citados nem sequer existem. E-mails com textos medíocres atribuídos a escritores consagrados é algo constante. Borges e sua obra são como que um prenúncio do que viria a ser a internet.

Apesar do imenso volume de informações, ainda não chegamos ao ponto de ter certeza de que em "alguma prateleira" da internet encontram-se "livros preciosos" e "inacessíveis", o que torna a nossa angústia um pouco pior do que a angústia do bibliotecário. Certamente ninguém acredita que haja "um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais", ou mesmo que este livro exista e é inacessível. Não há a "certeza de que tudo está escrito" e acredito que essa certeza nunca virá. Mas algo que vemos de modo claro é que mesmo assim, colocar ordem nesse caos de informação não é nada fácil.
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