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22 outubro 2007

A Copa de Literatura Brasileira (e Mais)

A segunda fase da Copa de Literatura Brasileira começou com minha resenha sobre o embate entre "Por que sou gorda, mamãe?" e "Um Defeito de Cor". Posso dizer que tenho muita sorte, por ter lido dois livros tão bons, e ao mesmo tempo muito azar, por ser o responsável em tirar um deles da disputa. Lá avança somente um, mas aqui posso recomendar ao leitor que leia os dois. A resenha você encontra aqui.

A partir desta semana começo a colaborar com textos para o "Palavra", do jornal "Le Monde Diplomatique" Brasil. O primeiro deles, já publicado aqui, é sobre o excelente livro "O Filho Eterno" de Cristóvão Tezza. Para acessar o texto, clique aqui.

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O Homem Comum Desenhado pelo Grande Escritor

Toda vez que ouço alguém dizer que certa pessoa é um dos maiores escritores vivos vem à minha mente a pergunta "e por quê?". Tenho reparado que na maior parte das vezes o título é dado automaticamente, somente pelo fato do leitor ter gostado muito de um livro ou às vezes trata-se somente de uma repetição daquilo que ouvem. Ao invés de responderem clara e objetivamente à indagação, a resposta é enviesada, talvez se referindo a um relativo sucesso comercial ou crítico. Um exemplo disso é o escritor Philip Roth. Nessa época do ano, quando se anuncia o ganhador do prêmio Nobel de Literatura, uma série de pessoas pela internet repetem o nome do autor como o mais provável 'nobelizável'. Nada demais. No entanto, acaba de sair um dos melhores livros do escritor aqui no Brasil e, apesar de ler várias críticas elogiosas do livro em diversos jornais e revistas, foram poucos os leitores que comentaram algo a respeito. Como explicar o fenômeno?

"Homem Comum" é uma novela centrada na morte e serve bem para responder objetivamente porque Roth é um grande escritor contemporâneo. O livro é um relato racional de alguém que se vê com um corpo cada vez mais decadente e próximo da morte. O personagem Construído por Roth é complexo, difícil de sentir qualquer empatia, um homem que tomou decisões das quais se arrepende. Abandonou a primeira mulher e por isso seus dois filhos deste casamento o odeiam. Um caso com uma modelo leva sua segunda esposa a abandoná-lo e como conseqüência, se afasta da filha que o adora. Após o terceiro casamento fracassar, ele se afasta também do irmão, que o apoiava incondicionalmente, por causa da inveja que sente de sua saúde perfeita. Depois de uma carreira de sucesso como publicitário, resolve se dedicar à pintura, mas com o tempo abandona a arte, apesar do talento. Embora seja certo que não há saída para a morte, mesmo que se procure alternativas, o relato é de alguém que não aceita isso. É esta a idéia central. Mesmo sendo bem-sucedido financeiramente ou buscando satisfação emocional num casamento estável ou procurando uma eminência através da arte ou ainda se entregando ao prazer sexual irrestrito, nada pode tornar a idéia da morte algo mais suportável. A morte é um tormento, um ponto de vista que está presente em todas as páginas do livro.

Mesmo com tudo isso, no entanto, seria um erro classificar o livro como uma alegoria da mortalidade humana. Não há o desejo de se escrever sobre o tormento que a morte representa para toda a humanidade. A obra de Roth é particular, íntima. Como muitos disseram por ocasião do lançamento do livro, ficção e biografia se confundem. Não é o Philip Roth autor quem está enfrentando a morte, mas sem dúvida foi a reflexão sobre ela que tornou possível ao autor escrever um livro tão impactante. Alguns eventos pessoais são apresentados na obra e não seria errado supor que foram responsáveis por reflexões que levaram o autor a escolher o tema.

Ao mesmo tempo, propositalmente ou não, é possível reconhecer também elementos universais na história. Por exemplo, a questão religião versus ateísmo moderno. Não há um juízo de valor a respeito do tema, mas está claro como o autor tem enxergado a distância cada vez maior entre os dois grupos. Notar como são descritos os dois funerais da obra é revelador: no início, do próprio "homem comum" do título e, durante a história, do pai dele - que cronologicamente ocorreu antes. No funeral do pai, um rabino conduz a cerimônia e os parentes são convidados a cumprir o ritual de cobrirem eles mesmos a cova do morto. No funeral do personagem principal, no início da obra, tudo é simples, apenas alguns poucos se reúnem para dizer algumas palavras de despedida. O que é comum neles é o desalento causado pela morte, a incapacidade que tanto da religião como da razão pragmática - ou se o leitor preferir, um modo de vida niilista - de dar algum conforto à perspectiva de inexistência.

Deixando o enredo de lado e focando a atenção na linguagem é possível também reconhecer Roth como um excelente autor. Em "Homem Comum" não encontramos o humor cáustico de "O Complexo de Portnoy", por exemplo, mas as grandes frases continuam lá. Roth tem a capacidade de resumir uma série de idéias em uma única frase. No caso da novela, é possível dizer que o livro inteiro às vezes é resumido em trechos brilhantes. Um exemplo disso é quando uma de suas alunas de pintura - uma senhora chamada Millicent - conta sobre a terrível doença que se abateu sobre seu marido, um executivo daquele tipo que nunca está parado. O resultado da situação é resumido assim:

"...a depressão corrosiva de um homem que antes estava envolvido em tudo e agora estava imerso no nada."

Não seria esta também a situação do homem comum, cuja história está sendo contada? Um sujeito que vê seu corpo cada vez mais frágil à medida que envelhece e, ao mesmo tempo, vê-se cada dia mais afastado de todos, "imerso no nada"?

O livro mostra como Roth é capaz de amarrar grandes temas contemporâneos a enredos envolventes, construindo personagens complexos e expandido nossa capacidade de percepção de humanidade. Prova a capacidade do escritor de utilizar a linguagem com um talento capaz de produzir as mais diversas emoções, menos a indiferença. Portanto, se houver alguma dúvida sobre a importância de Roth para literatura, basta ler "Homem Comum".

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17 outubro 2007

Últimas Notícias dos Prêmios Literários

E saiu o resultado do Portugal Telecom. E deu Portugal:

Português Gonçalo M. Tavares vence prêmio Portugal Telecom

O escritor português Gonçalo M. Tavares foi o vencedor do prêmio Portugal Telecom de literatura em língua portuguesa 2007, com o livro "Jerusalém", divulgaram nesta terça-feira os organizadores.

Os escritores brasileiros Danton Trevisan, autor de "Macho não ganha flor", que não compareceu à cerimônia, e Teixeira Coelho, com a obra "História natural da ditadura", receberam o segundo e terceiro prêmios, respectivamente.


Jerusalém


Macho Não Ganha Flor


História Natural da Ditadura


Leia a notícia completa aqui.


Lá na Europa, saiu também o resultado do Booker Prize. E não deu Ian McEwan:

Escritora Anne Enright vence prêmio Booker com o livro 'The Gathering'

A escritora irlandesa Anne Enright venceu o Prêmio Booker, um dos mais prestigiados do mundo literário, por sua obra "The Gathering", anunciou nesta terça-feira (16) o comitê que concede essa distinção.

Anne Enright desbancou favoritos como Ian McEwan e Lloyd Jones e levou o prêmio de 50.000 libras (cerca de 185 mil reais).


Leia a notícia completa aqui.

Por último, o Jabuti cada vez mais risível. Desta vez 'despremiaram' um livro:

Câmara do Livro muda vencedor do prêmio Jabuti de biografia

A Câmara Brasileira do Livro alterou a lista dos vencedores do prêmio Jabuti deste ano, após descobrir que um dos nomes premiados havia morrido.

No próximo dia 31, receberá o prêmio de melhor biografia o escritor Lira Neto, autor de "O Inimigo do Rei: Uma Biografia de José de Alencar ou A Mirabolante Aventura de um Romancista que Colecionava Desafetos, Azucrinava D. Pedro 2º e Acabou Inventando o Brasil" (Editora Globo).


Leia a notícia completa aqui.

O vencedor da categoria romance é daqueles livros tão ruins, mas tão ruins, que lendo a primeira página você sabe o que acontecerá até o final. E o terceiro colocado já foi devidamente massacrado na Copa de Literatura pelo Eduardo Carvalho.

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12 outubro 2007

Nobel 2007

Só aposto em obviedades.

Gostaria muito que Thomas Pynchon levasse o Nobel, mas como é quase certo que ele não aparecerá na festa, a Academia Sueca deve sempre desconsiderá-lo. Dentre os eternos favoritos, os que mais gosto são Philip Roth e Antonio Tabucchi. Em português, António Lobo Antunes e Herberto Helder, mas o segundo também deve ser sempre desconsiderado pelo mesmo motivo que Pynchon. No Brasil, meu voto é sempre da Nélida Piñon.


Uma característica da Academia sueca: obviedades não costumam receber o prêmio.

Nunca li Doris Lessing. Daquelas escritoras que sempre ouvimos falar mas nunca encontramos um livro que chamasse atenção. The Golden Notebook é sempre citado, passou várias vezes pela minha mão, mas nunca ganhou minha atenção. Aqui em Belo Horizonte, alguns de seus livros estavam em saldão numa livraria por R$10. Não consegui comprar nenhum, todos pareciam ruins.

Outro ponto a ser lembrado é que o prestígio da prêmio é algo muito relativo. Muitos escritores que o receberam simplesmente desapareceram, ninguém sabe nada sobre eles. Quanto às vendas, alguns nem com o prêmio conseguiram sair do ostracismo. Aqui no Brasil, o exemplo mais claro é de Elfriede Jelinek, premiada em 2004.

Portanto, não tenho nada a dizer sobre o prêmio desse ano.

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04 outubro 2007

Uma Pergunta para o Polzonoff

Sobre este post uma pergunta: e quando você está cansado de tudo aquilo que já disseram? Quer dizer, falta ler um monte de clássicos que não leremos em uma vida, mas em alguns casos já falaram tanto de um determinado livro que é impossível não nos contaminarmos com um olhar direcionado. "Eis o clássico" pensamos. E parece quase uma solenidade, parece que soaram os clarins. Isso não cansa às vezes?

UPDATE
O Paulo Polzonoff dá sua resposta aqui.

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02 outubro 2007

Animais e Homens

O escritor Ricardo Piglia tem uma teoria que diz que um bom conto na verdade conta duas histórias simultâneas, uma bem evidente, que fica na superfície e outra que está sempre presente, embora essa muitas vezes apareça somente no final. É possível estender essa mesma teoria para alguns romances, que contam uma história para aquele leitor desatento e outra não tão evidente para um leitor que percebe outros matizes. O novo livro de Edward Bunker, "Fábrica de Animais", é um exemplo claro disso. O título, a biografia do autor e suas outras obras sugerem que este é mais um livro sobre a violência da vida num dos mais perigosos presídios dos EUA. San Quentin é o protótipo ideal de uma máquina desumanizadora de seres: a sobrevivência é garantida somente pela força, o que faz com que pessoas se ajuntem em grupos que são respeitados pela sua capacidade assassina. Além disso, o ódio racial americano está no auge, com negros, brancos e chicanos cada vez mais separados e apenas uma fagulha faz explodir uma rebelião em que membros de todos os grupos são assassinados indiscriminadamente. Também, os estupros fazem com que os mais fracos se convertam em moeda de troca entre os detentos e para ser respeitado o único meio é se tornar alguém temido no momento em que põe um pé lá dentro. Por último, a violência policial - muitas vezes apenas uma extensão dos ódios e da violência dos próprios presos - aproveita uma crise para entrar em cena, num acerto de contas contra seus desafetos. Lido assim por um leitor apressado, o livro não é nada mais que um retrato da vida na violenta fábrica de animais. No entanto, o leitor mais atento irá perceber que este cenário serve apenas para contrastar o tema central do livro.

A chave para se chegar a esse segundo ponto é dada logo no início da obra. O autor dedica o livro aos 'seus irmãos - dentro e fora'. A amizade, portanto, é ponto fundamental na obra. Por meio dela é possível emergir da violência bárbara e reconhecer um ser humano apesar de todo o ambiente ser uma verdadeira fábrica de animais, com capacidade de destruir todas as qualidades que caracterizariam um ser. O livro procura mostrar que mesmo num lugar assim, ainda é possível prevalecer algo de humano.

"Fábrica de Animais" começa contando a história de Ronald Decker, um jovem e bonito traficante de drogas que é apanhado pela justiça e começa a conhecer um ambiente totalmente diferente daquele que estava acostumado, o das celas sujas da burocracia judicial. No terceiro capítulo, a cena corta e subitamente somos apresentados a Earl Copen, um detento experiente que está cumprindo sua terceira pena em San Quentin e que é bem tratado porque conhece as pessoas certas lá dentro. O inexperiente jovem e o detento veterano irão se encontrar e desenvolver uma amizade que é o tema central do livro. Não há delicadeza entre eles, muito menos um interesse homossexual, somente um apego sincero que faz com que o experiente Copen passe a ajudar o jovem Decker. Suas expressões de afeto seriam interpretadas no mundo fora das prisões como insultos estúpidos, mas como aprendemos com o passar do tempo, as leis que regem o mundo de fora não são as mesmas que vigoram dentro dos muros de San Quentin. Mas, apesar disso, ainda reconhecemos os personagens como humanos. Por mais traços indicativos de animais violentos que esses adquirem, ainda conseguimos vê-los dum modo diferente - principalmente quando os dois personagens centrais são comparados com seus companheiros, como T.J., Paul e Vito. É como uma fantasia para representar um papel numa fábula, onde é possível ver o personagem atuando, na figura dum animal, mas que nunca é tão perfeito que não consigamos distinguir que há um ator por trás da máscara. É nisso que os dois se convertem, em atores que representam seres brutais para sua sobrevivência. A amizade serve, portanto, como um modo de rejeitar ser transformado pela fábrica, um modo de tentar enganá-la.

Sem dúvida este é um dos melhores romances de Bunker. Além da temática interessante, o livro contém ainda as mesmas qualidades das outras obras do autor, como a narrativa ágil, os personagens bem construídos e um enredo bem elaborado. Serve como uma excelente porta de entrada pelo submundo dos outsiders retratados por Bunker, atiçando a curiosidade do leitor aos seus principais livros "Nem os Mais Ferozes" e "Cão Come Cão".

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