Na tentativa de especificar o que faz uma obra ser valorizada em detrimento de outra – uma avaliação que muitas vezes parece ser contraditória, pelo número de exemplares vendidos de um livro –, começo uma série de textos que tentam falar sobre elementos que tornam uma obra reconhecida pela crítica e por que muitas vezes alguns leitores não gostam de um livro que é bastante valorizado. Algumas partes poderão parecer didáticas demais, mas parece ser um tom adequado para o início, o que permitirá inequivocamente seguir à maior discussão: afinal, o que é um bom livro? Num primeiro momento, pretendo falar sobre o assunto em doze ou treze partes. Escrevi somente a introdução, portanto, publicar em partes aqui servirá também de incentivo para que eu não abandone o tema.
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A avaliação crítica de uma obra parece ser algo inerente ao leitor, um personagem que dificilmente se torna indiferente aos livros que lê. Não é incomum um conhecido, ao nos encontrar com um livro na mão, perguntar se já lemos algum outro que ele diz ter gostado muito. Em contrapartida, o leitor que lê um livro e o considera ruim frequentemente passa a falar mal dele quando surge uma oportunidade. O papel do leitor crítico, capaz de identificar uma boa obra, é mencionado por Machado de Assis, num de seus melhores contos, intitulado "A Chinela Turca". Na história, o bacharel Duarte está de saída para um baile quando chega à sua casa o soporífero major Lopo Alves com um pacote em suas mãos que diz se tratar de um drama escrito por ele. O inevitável pedido vem logo em seguida:
"Sei que é inteligente e lido; há de me dizer francamente o que pensa deste trabalho. Não lhe peço elogios, exijo franqueza e franqueza rude. Se achar que não é bom, diga-o sem rebuço."No entanto, é possível ter ocorrido a você, após ler críticas positivas a respeito de determinada obra, ficar curioso e, ao passar em frente a uma livraria, comprar o volume, para depois de uma penosa leitura, sentir-se decepcionado. Mais do que a decepção, você não compreende como um livro, que sob seu ponto de vista é bastante ruim, pode receber tantos elogios. Por que, em alguns casos, livros tidos como muito bons podem ser avaliados por vários leitores como muito ruins? Afinal de contas, o que define uma boa obra?
Um ponto fundamental para compreender esse abismo entre uma avaliação crítica e o leitor é reconhecer que existem muitos livros em um só. É impossível encontrar dois leitores exatamente iguais, com as mesmas expectativas ou com a mesma experiência cultural, social ou de leitura e, por causa disso, cada leitor poderá encontrar elementos diferentes numa obra literária ou deixar de reconhecer referências importantes colocadas pelo autor. As referências constituem elementos importantes para composição do texto literário, pois é um procedimento eficaz de multiplicação de sentidos num texto. No caso de um leitor menos experiente, muitas camadas de composição de uma obra literária poderão ser desconsideradas e o leitor se concentrará apenas na que está imediatamente visível, na maior parte das vezes o enredo. Essa falta de compreensão ou reconhecimento de referências pode fazer com que o leitor tenha um ponto de vista parcial de uma obra múltipla. Sendo a composição do leitor um ponto fundamental para avaliação de um livro, quais são os principais fatores que podem limitar o ponto de vista de uma leitura? Passarei a examinar alguns deles: as referências históricas, geográficas, artísticas, culturais, a intertextualidade e os recursos textuais.